O governo do justo II

Paulo pregando em Atenas, Raffaello

E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos se deitarão juntos, e o leão comerá palha como o boi. E brincará a criança de peito sobre a toca da áspide, e a desmamada colocará a sua mão na cova do basilisco. Isaías 11:6-8

Os gregos, há dois mil e quatrocentos anos, entenderam que a democracia nunca poderia ser exercida pelo sistema eleitoral, posto que a autoridade por ele constituída seria passível de ser corrompida em toda a sua trajetória. Desde a filiação ao partido, passando pela influência política ou social, pela projeção midiática, o voto de cabresto, o coronelismo ou a compra descarada de votos, observa-se a corrupção chegar com todo o seu aparato. Na Grécia antiga, democracia tinha mais a ver com sorteio do que com eleição.

Não existia campanha política, horário eleitoral ou panfletagem de santinhos. Não havia escrutínio nem eleição por aclamação. As pessoas, ao colocarem seus nomes numa espécie de máquina de sorteio chamada por eles de kleritorion, se apresentavam para exercer os cargos públicos em vacância sem saber previamente qual seria esse cargo. O período em que ocupava o cargo não excederia a um ano e o escolhido pela máquina nunca mais poderia se candidatar novamente a qualquer cargo público. O kleritorion lançava sorte, os elegia e determinava naquele exato momento o cargo que iriam ocupar. Para eles esse sistema era tão sério que até seus deuses foram sujeitos a ele. Foi o kleritorion que determinou que Júpiter governaria o céu, Netuno os mares e Hades o submundo. O klerirtorion é a máquina que mais amedronta a ordem mundial em que vivemos, pois ele coloca termo a todo tipo de influência externa no governo.

Embora fosse eficiente no tocante à imparcialidade, a máquina não tinha poder de persuasão e nem de uma análise ética, conquanto as autoridades escolhidas por ele não dispunham de todos os atributos necessários para a função. Os gregos criaram a palavra exousia para que nela fossem resumidos todos esses atributos, que seriam: poder, direito, legitimidade, autenticidade, idoneidade, competência e credibilidade. Se na Grécia antiga, mesmo com o seu incorruptível sistema de eleição, o eleito não reunia grande parte desses atributos, o que se poderia esperar de um sistema corrompido como o nosso? É justamente aí que os atributos do governo do justo citados no nosso texto base irão fazer toda diferença.

Eu tenho particular apreço pela criatividade com que são elaborados os presépios de Natal, mas não devemos nos esquecer de que a ideia inicial nasceu na cabeça de um grande herói da fé chamado Francisco de Assis. Seu projeto era muito mais ambicioso do que os vãos esforços que hoje fazemos em prol do ecumenismo. Francisco de Assis juntou numa mesma cena reis e pastores, anjos e homens, seres humanos e animais, céus e terra. Tudo isso em torno daquele que veio para salvar o mundo, numa proposta clara de mostrar qual seria, de antemão, a amplitude do seu governo. Mas eu aprecio também o presépio que Isaías 11.6-9 detalha e que é o nosso texto base. Seu presépio profetiza a extinção total e irrestrita que o regime darwiniano predatório instaurou em nosso mundo. Na visão de Isaías fica extinguido qualquer tipo de dominação, seja do mais capaz pelo menos capaz, do mais forte sobre o mais fraco, do mais rico sobre o mais pobre e, principalmente daquele que se adaptou mais ao sistema sobre aquele que está excluído dele. Isaías enxerga, a partir de um governo injusto, cruel e predador o governo do justo, que é o único governo capaz de levar a cabo o ideal representado em seu presépio.

João, em seu evangelho, emprega a mesma palavra grega, exousia, para dizer que somente Jesus tem poder, direito, legitimidade, autenticidade, idoneidade, competência e credibilidade para exercer autoridade. Jesus é o justo profetizado por Isaías e qualquer governo que propõe se fundamentar na justiça deve se aproximar o máximo possível do seu ideal. Um governo que se envolve e se compromete com as causas do povo. Um governo que compra sua briga. Um governo que, mais do que ao lado do povo, lute pelo povo, no lugar do povo. Pode muito bem ser uma ideia nova para nós hoje, mas é antiga na Bíblia. Em Neemias 4.20, lemos: No lugar em que ouvirdes o som da trombeta, para ali acorrei a ter conosco; o nosso Deus pelejará por nós. Isso é o que dizem os hinos não mais cantados por nós, mais vai aqui uma pequena mostra de um deles:

Já refulge a glória eterna de Jesus, o rei dos reis
Breve os reinos deste mundo seguirão as suas leis
Os sinais da sua vinda mais se mostram cada vez
Vencendo vem Jesus. (anterior)

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