Descida da cruz, Rembrandt |
O servo sofredor de Deus, na concepção de Isaías, não é um
diplomata estrategista, nem mesmo um bem letrado guardião da fé de Israel. Mas
alguém que se apresenta com dons bastante interessantes: um discurso culto, mas
que o necessitado ignorante consegue entender; um ouvido apurado e atento,
sensível ao clamor do aflito, inclusive das pessoas mais eruditas. Ingredientes
de uma mente rebelde e inconformada. Mas fez uso dos dons para fins
pacíficos, abrindo mão do inconformismo beligerante.Talvez seja esse o
principal elemento na diferença entre a participação e o comprometimento.
O meu falecido amigo João Wesley, mais do que pós doutorado
em marketing, se valia da mesma história para explicar quais são as implicações
do compromisso e da participação. Ele dava como exemplo o sanduiche de bacon
com ovos, no qual a contribuição dois animais se faz necessária. A galinha que
colabora dando os ovos, e o porco que contribui com o bacon. Dizia ele: um apenas participa, mas o outro está
inteiramente comprometido. Lembro-me bem da cara de bobo que fiquei por não
ter entendido esta comparação quando a ouvi pela primeira vez. Foi quando ele
disse: A galinha faz a sua necessária doação e depois volta feliz para
casa. Isto é participação. Mas o porco não, ele precisa dar a própria vida.
Isso é comprometimento.
Se Jesus viesse ao mundo participar do plano de Deus para a
salvação do homem, libertando-o de todas as coisas que o escravizam, ele teria
tido uma participação jamais emparelhada. Ninguém antes dele levou este projeto
tão longe com tanta perfeição de detalhes. Ninguém depois dele foi tão
incansável na construção das bases deste Reino. Ninguém, nem antes e nem depois
dele foi tão habilidoso em expor os mistérios de Deus, e adequá-los ao limitado
entendimento humano. Quando olhamos novamente o cântico do servo sofredor de
Isaías, não podemos enxergar alguém mais perfeito para desempenhar a função que
a figura do homem Jesus Cristo. Mas o desempenho de Jesus ficou tão acima da
conta, que olhando mais uma vez o cântico, verificamos que nem mesmo Isaías
penetrou tão fundo na sua concepção sobre esse servo de Deus. Contudo, Jesus
veio ao mundo para participar e sim para se comprometer, não para morrer, como
muitos dizem. Morrer por uma causa é extremismo terrorista. Ele veio sim, para
assumir o seu compromisso até as últimas consequências, mesmo que elas o
levassem à morte.
Diferentemente do livramento proposto por Isaías, Deus
permitiu que o mal fizesse o seu melhor, que chegasse ao seu limiar crítico,
que exaurisse todas as suas forças ao flagelar o servo. Se para a participação
de Jesus na salvação nos faltam palavras, para o seu comprometimento nos resta
apenas tentar de alguma forma ser gratos. Não há mais nada a ser feito. Tudo
está consumado.
Leitura Isaías 50,4-9
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