A difícil questão, Emil Brack |
Anda completamente fora da pauta, e consequentemente dos nossos cultos, a bênção que Deus, por meio de Moisés, transmitiu ao povo de Israel para que assim abençoassem os seus filhos geração após geração. Uma oração curta, sem palavras rebuscadas, sem apelos ou repetições enfadonhas, objetiva, simples e direta. Eu penso que é justamente por causa destes seus atributos que ela esteja ficando de fora do nosso foco.
Nada tenho contra a bênção que Paulo invoca sobre os filipenses em Fp 4.7: E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus, texto que mais tarde veio a se configurar na nossa conhecidíssima Bênção Apostólica. Mas mesmo esta bênção, quando proferida na sua fórmula original, ainda preserva muito do modelo aarônico, principalmente no sentido em que busca em Deus e a ele credita todas as bênçãos que nos são necessárias.
O fato é que a simplicidade anda cada vez mais distante dos nossos cultos, por isso fórmulas singelas como a Bênção Aarônica não se encaixam apropriadamente em nossas liturgias. A fórmula de bênção invocava pelos pastores hebreus nômades, que obtinham o seu sustento dos elementos extraídos da natureza, constava de pouquíssimos itens, tal como era o seu modo de vida. É muito comum encontrarmos em narrativas que se referem àqueles tempos distantes saudações que contém elementos semelhantes: que um vento favorável sopre na sua retaguarda, que um céu estrelado brilhe sobre as suas cabeças, algo como peticiona o Salmo 23, águas tranquilas e pastos verdejantes. Eram comuns a todos aqueles povos porque eram bênçãos pertinentes a todos, não havia individualismos ou petições egoístas. O que era bom para o indivíduo, também era bom para coletivo.
Somente com a sedenterização do povo em pequenas aldeias que necessidades individuais começaram a surgir. A cobiça por uma área mais produtiva, uma localização mais propícia e um status acima dos demais deram início à onda de orações por bênçãos exclusivas. As orações começaram a se perder em um emaranhado de preocupação e desejos que excediam o propósito da bênção. Invocações que se perdiam num completo vazio, como bem lembrou Sêneca: Nenhum vento é favorável àquele que não sabe para onde ir. No mesmo sentido, nenhuma bênção é suficiente para aquele que não sabe o que quer.
E o que dizer, então, quanto à invocação da proteção divina "e te guarde"? Este é um dado em que as diferenças mais gritantes podem ser percebidas, principalmente em alguns salmos. Enquanto os salmos antigos suplicavam bênção sobre todos os viventes, como o Salmo 90, que começa reconhecendo a proteção de Deus sobre todos: Senhor, tu tens sido o nosso refúgio de geração em geração, e termina com a invocação da bênção igualmente sobre todos: Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos. Já os,salmos mais modernos não seguem esta mesma tendência. O salmista que compôs o Salmo 79, por exemplo, parece orar assim: Perdoa-me e mata os meus inimigos. Pelo menos é como entendo suas palavras: Salmo 79.6 – Derrama o teu furor sobre essas nações que não te reconhecem, sobre esses reinos que não invocam o teu nome. Isso para não falar do mais tenebroso de todos os salmos, o Salmo 137: Feliz aquele que pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra.
Será que não percebemos as nada sutis semelhanças com as nossas orações atuais, em que prevalecem as petições por bênçãos cada vez mais exclusivas. Orações em que o bem estar do próximo ou mesmo da coletividade é um tema de negociação secundário. Não é por outro motivo que a Bênção Aarônica, esteja tão fora de contexto. (continua)
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