No Primeiro Testamento não existe propriamente um termo especial para intercessão, a súplica a favor de outros. São usados os termos gerais que indicam a oração: “falar (dibbêr) com Javé”, “invocar o seu nome” (qãrã’: Ex 34.5; Sl 94.6), “procurar Javé” (dãras: II Rs 22.13; Jr 21.2), “dirigir-se (Süb) a Javé” (Ex 5.22; Ex 32.31). Conforme alguns (Gunkel; Johansson) o termo técnico para intercessão é o verbo hitpallêl da raiz pll. P. de Boer não quer falar em “termo técnico”, porque hitpallêl é usado também para outras formas de oração. Mas é sem dúvida a indicação mais freqüente da intercessão.
A etimologia é discutida: conforme Johansson, a raiz pll seria proveniente da ordem jurídica: julgar; no pi‘el (pillêl): apresentar-se como árbitro; no ftttpa‘el (hitpallêl): agir ou rezar a favor de alguém. Conforme de Boer, a forma original (que não se encontra no Primeiro Testamento) teria significado: “causar rupturas”, em sentido cultual: “quebrar ou averter a ação divina”. O hitpa‘el significaria, conforme ele:
(a) mostrar ser alguém que afasta o poder de Deus;
(b) pedir que uma ameaça seja desviada.
Interessantes são também as expressões: “colocar-se na brecha”, para defender alguém (’ãmad ou ‘ãlãh bapperes: Ez 13.5; Ez 22.30; Sl 106.23) e “erguer um muro em torno de alguém” (gãdar geder: Ez 13.5; Ez 22.30). Conforme Schar-bert, o termo técnico para intercessão é ‘ãtar, pelo menos no Pentateuco.
Os intercessores.
Quase sempre trata-se de pessoas que em nome de Deus chefiam o grupo ou o povo e estão em íntima relação com Javé (mediadores). São figuras de destaque, aos quais os outros pedem intercessão: Abimelec pede Abraão (Gn 20.7), o Faraó pede Moisés (Ex 8.4) e Aarão (Nm 12.11), o povo pede Samuel (I Sm 12.19), Ezequias a Isaías (II Rs 19.2), o povo a Jeremias (Jr 17.18) etc. O intercessor mais notável do No Primeiro Testamento é, sem dúvida, Moisés. É intercessor junto a Javé pelo faraó (Ex 5.22; Ex 8.4; Ex 9.28; Ex 10.7), por sua irmã Míriam (Nm 12.13), mas sobretudo pelo seu povo no deserto (Ex 32.11-14; Ex 30; Ex 32; Nm 11.2; Nm 14.13-19; Nm 16.22; Dt 9.25-29). Na história de Israel, isso ainda será lembrado muitas vezes (Jr 15.1; Sl 99.6; 106,23. Nesses textos são lembrados ainda Samuel ou Aarão, ou ambos; II Macabeus 15.4 acrescenta Jeremias.
Para Samuel, sua tarefa consiste, não apenas em mostrar sempre o bom caminho, mas também em interceder pelo povo (I Sm 12.23). Em Reis e Crônicas vemos alguns reis como intercessores (l Cr 29.18; II Cr 30.18); de outro lado, reis pedem a intercessão dos “homens de Deus” (l Rs 13.6; II Rs 19.4). II Macabeus 3.15-22 descreve longamente o sumo sacerdote como intercessor pelo povo. Nos livros pós-exílicos encontramos ainda outros personagens como intercessores: Esdras 6.10; Ed 9.6-15, Neemias 1.5-11). Uma questão à parte é a intercessão nos profetas. Alguns negam-lhes a tarefa da intercessão, alegando que eles estavam convencidos demais da obstinação do povo e da inevitabilidade da ruína. Os profetas, porém, sentiam- se mediadores da aliança e, como tais, julgavam que a intercessão fazia parte da sua missão.
Conforme Jr 27.18 e Ez 13.5 a prática da intercessão é um sinal fidedigno do verdadeiro profeta. Os escritos proféticos não guardaram muitos textos de intercessão, mas os poucos que encontramos são bem claros (Jr 21.2; Jr 37.3; Jr 42.1-4; Ez 9.8; Ez 11.13; Am 7.2-5). Os profetas pós-exílicos raras vezes falam da intercessão; em Joel são mencionados sacerdotes que rezam para que uma calamidade da natureza seja afastada. Intercessores celestes são mencionados em Zc 1.12 e na literatura sapiencial (Job 5.1; Job 33.23-26). Conforme Tobias 5.4; Tobias 12.2, o anjo Gabriel tem função de intermediário com relação às orações dos homens.
Conteúdo e forma da intercessão
As mais das vezes, as intercessões visam afastar a ira e o castigo de Deus. Isso é bem claro na intercessão de Moisés (Ex 8.4; Ex 32.11; Nm 11.2; Nm 14.10), de Josué (Nm 7.6) e de Isaías (II Rs 19.4). Mas as intercessões podem ter também um conteúdo mais positivo: Salomão pede a presença de Javé no templo (I Rs 8.22), Jeremias a correção da conduta do povo (Jr 10,23). Reza-se também por intenções particulares: Abraão por Ismael (Gn 17.8), Moisés por sua irmã (Nm 12.11), Elias pela viúva de Sarepta (I Rs 17.17). Em II Macabeus 12.40-45 recomenda-se a intercessão pelos mortos.
Quanto à forma da intercessão: apela-se sempre para as diversas qualidades e ações de Javé. Também nisso a intercessão de Moisés é o grande modelo: “que dirão os egípcios, se...”, “lembra-te dos nossos pais”. Alhures acrescenta: “Lembra-te da aliança, de teu poder sobre os povos, de teu nome”, etc. Frequentemente, sobretudo na literatura mais recente, a intercessão abrange uma confissão de culpa (Ex 32.31; Ex 43.9; Dt 9.25; Ed 9.6; Ne 1.5; Jr 14.19; Dn 9.4), reconhecendo que a justiça de Deus havia sido desprezada pelos homens.
Por causa da semelhança de argumentação nas intercessões de diversas épocas, de Boer julga provável que tenham existido fórmulas fixas de intercessão. Notemos ainda que as intercessões de Moisés costumam ter sucesso, menos quando ele reza por si mesmo (Dt 3.23). Moisés fala geralmente na primeira pessoa singular, distinguindo-se do povo (exceções: Ex 33.15; Dt 9.28). As de Jeremias, porém, usam as formas da primeira pessoa plural; ele sente-se solidário com o povo, também na culpa (Jr 14.7; Jr 14.19-22). E as intercessões de Jeremias nem sempre são atendidas, antes pelo contrário (Jr 7.16; Jr 11.14; Jr 14.11).
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