Os montes trarão paz
ao povo, também as colinas a trarão, com justiça. Julgue ele os aflitos do
povo, salve os filhos dos necessitados e esmague ao opressor. Ele permanecerá
enquanto existir o sol e enquanto durar a lua, através das gerações. Seja ele
como chuva que desce sobre a campina ceifada, como aguaceiros que regam a
terra. Floresça em seus dias o justo, e haja abundância de paz até que cesse de
haver lua. Salmos 72.3-7
Elevo os meus olhos para os montes, eyesontheeparrow |
O Salmo 72, texto sugerido para hoje pelo Calendário
Litúrgico da Igreja Católica, pode nos mostrar uma nada sutil diferença que
existe entre este dois estados de como podemos ver a Bíblia: fechada e aberta.
Fechada, esteja ela na estante, debaixo do braço ou calçando o pé da mesa, não vai
se diferenciar de qualquer outro tipo de literatura. Mas se aberta podemos nos
deparar com textos como esse, que embora escritos há quase três mil anos, são de uma atualidade avassaladora.
Vejamos a percepção que salmista nos revela ter sobre a
esperança de um mundo de paz, no seu breve ensaio sobre a justiça. Nós que
tanto vivenciamos, quanto testemunhamos, há alguns dias, as mais diversificadas
manifestações de esperança num ano novo melhor, vamos perceber que nada do que
vimos se assemelha a realidade que o poeta da Bíblia deixou registrado.
Em primeiro lugar, ele espera que a paz desça dos montes,
que eram, nas cidades da antiguidade, onde moravam as pessoas de maior poder
financeiro e de influência. Porém, ele não acredita nas pessoas, e sim na justiça. Uma justiça que não está num lugar
distante, seja ele um Xangrilá ou faz parte de uma visão de um dois sonhos das
Mil e uma Noites. Está num lugar real e pode ser alcançada, basta que haja um
julgamento justo que salve o povo aflito e esmague o opressor. Quem é nesse
mundo de Deus que não sabe disso? Mas também quem é que teve a coragem de celebrar
a passagem de ano desta forma?
Em segundo lugar, ele entende que deve ser algo que lave
completamente a alma, e que não traga a ressaca de um dia seguinte. Mas que
seja duradouro, e não apenas uma breve celebração de uma noite, na quase que
certeza de que a crueza da realidade haverá de prevalecer e nos assaltar ao
romper do dia.
Em terceiro lugar, ele não coloca sua esperança em nada do
que já existe ou existiu, como em Algum lugar do Passado, ou em uma ideia
revolucionária que se apresente como solução redentora, mas sim no florescer de
uma nova ordem, diferente de tudo que se conheceu até então.
Em quarto lugar, para ele os astros, que para muito são os
elementos que fazem as coisas acontecerem, e que é onde depositam a sua esperança
definitiva, servem apenas como sinalizadores do tempo. De um tempo que começa
agora, e ainda que mal formado, poderá durar enquanto a luz da lua brilhar
sobre as nossas cabeças.
Meu caríssimo sobrinho, a você que hoje vive a gloriosa expectativa
da paternidade, eu recomendo que calce bem a sua mesa e tome cuidado, pois muito
poucas coisas nessa vida podem fazer diferença quando olhadas de perspectivas
diferentes. A Bíblia é uma delas.
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