Uma casa construída sobre a glória

A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos. Ageu 2.9
Ageu pregando na obra inacabada, Doré
Este é mais um versículo que virou frase de para-brisa traseiro de carro de evangélico, e é, como a maioria dos demais que tiveram a mesma sorte, usado de forma equivocada. Se existe uma palavra para a qual se aplicam os sentidos mais variados nas diversas religiões conhecidas é justamente a palavra casa. E neste versículo em especial não poderia ser diferente.

Para que possamos entender o que quis dizer esse quase desconhecido profeta, precisamos, antes de tudo, situá-lo no seu contexto histórico, que é um dos mais conturbados de Israel. O povo está voltando do cativeiro babilônico e tentando à duras penas resgatar a sua identidade e se reorganizar como nação livre, porém, sem muita liberdade, pois ainda estavam sob o domínio dos persas, que tinham um especial interesse na estratégica região de Canaã. Ela era simplesmente o eixo principal que ligava as duas regiões em que floresceram as grandes potências da antiguidade: o Oriente Médio e o norte da África, daí a importância da sua dominação.

Por pressão dos povos vizinhos, Israel tinha parado a reconstrução do templo, e isso indignou profundamente o nosso profeta, pois ele pregava aos quatro ventos, que mais do que qualquer outra iniciativa, para Israel enxergar a si mesma como nação, o templo deveria ser vir antes. Em um perfeito sincronismo do passado com o futuro, Ageu buscava na própria história de Israel as possibilidades de paz, justiça e prosperidade futuras. Ou seja, para Ageu, o templo que foi o maior símbolo da grandeza do seu povo, e cuja destruição, a maior derrota desse mesmo povo, surgiria como um elemento alavancandor de todas as demais expectativas e realizações.

Convém notar que Ageu não tinha qualquer pretensão de que esta nova edição tivesse a suntuosidade do templo construído por Salomão, em uma época em que Israel era a nação dominante em Canaã. Ele não poderia estar falando nem da grandeza e nem da riqueza do templo, pois, depois de pagar os altos impostos que eram devidos aos persas, não sobrava muita coisa para bancar uma construção de grande porte. O profeta em questão não baseou a sua crítica na desigualdade visível entre os dois templos, mas sim no fato de que o povo vivia em casas confortáveis, enquanto a casa de Deus tinha apenas um alicerce mal terminado.

É justamente aqui que o profeta se destaca dos motivadores da construção de faraônicos e suntuosos templos dos nossos dias. Que se destaca também daqueles que pregam a posse dos bens materiais como sinal de uma espiritualidade consagrada. Dizia ele que a grandeza do templo não estava nos utensílios de ouro ou nas paredes de granito, mas na glória de Deus que era manifestada unicamente através da justiça social. Justiça essa que a casa de Deus exigia como elemento primordial da prova da santidade do povo.

Aqui a coisa complica, porque não era somente dar a Deus uma casa confortável, como as que os mais abastados possuíam. Não era somente também reafirmar que a nação reerguera porque podia se reunir em culto ao Deus livremente. Mas era garantir que os fatores que levaram o povo do apogeu ao fundo do poço, não existissem mais, e que a nova edição do templo seria o aval de Deus para essa empreitada. Logicamente que Ageu sabia que Deus não iria morar naquela construção. Os profetas tinham a plena convicção de que a grandeza Deus não caberia nem na imensidão do Universo. Mas ele sabia bem que se Deus garantisse ainda que um breve resquício da sua glória, esta seria mais que suficiente para que esta nova construção excedesse a anterior em muito, principalmente naquilo que era mais necessário na nova e promissora identidade do povo.

 Cuidado, antes de colarmos adesivos com frases impactantes, deveríamos primeiro conhecer a profunda responsabilidade que estas frases carregam.

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