A fé de dentro para fora I

A viúva e o juiz iníquo, autor não identificado

Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do Homem, achará, porventura, fé na Terra? Lucas 18.8

É bem provável que no universo religioso atual o elemento mais manipulável e, por conta disso, o de mais difícil consenso seja justamente aquele que deveria ser o ponto de convergência onde todos os segmentos da religião se apoiariam, ou seja: a fé. Tratando-se de fé cristã, uma análise superficial da situação vai nos fazer perceber de imediato que algo está muito errado na maneira como a igreja tem vivido e testemunhado a sua fé. E o que é pior: não seria preciso nem mencionar os pejorativos que tantos ateus quanto agnósticos atribuem aos cristãos quando tratam especificamente desse assunto, para concluirmos que no contexto em que vivemos a maioria deles é pertinente.

Se na disputa acirrada que as denominações travam entre si, o poder que uma igreja proclama ter pelo fato de possuir mais fé que a concorrente, vem a ser o fator decisivo para que esta atraia um maior número de membros, e, consequentemente, uma maior arrecadação, são essas mesmas igrejas as primeiras a declarar que o milagre, a bênção, a unção ou seja lá que nome deem a isso, depende da fé com que a pessoa  esteja imbuída. Resumindo: para se conseguir a graça que tanto se deseja, se faz necessário: 1- ter muita fé. 2- frequentar uma igreja cuja manifestação da fé seja inquestionavelmente notória.

Tenho que admitir que ando cansado de trazer á tona o mesmo assunto, e admitir também que já é hora de perceber que tenho esgotado a paciência de vocês com isso. Foi aí que, recomendado pelo mestre Jonas, resolvi abordar o tema sob outro ponto de vista. Deixar de lado um pouco o que os requisitos para se ter fé, e levar em conta os compromisso que esta mesma fé exige de nós, uma vez que estejamos possuídos por ela. Fala-se muito naquilo que a fé pode nos proporcionar, no que a fé pode realizar por nós, e até onde a fé pode nos levar, Porém, fala-se muito raramente ou quase nunca sobre as atitudes que a fé exige de nós, além da contribuição financeira, é claro.

Para isso não seria preciso, antes de mais nada, saber que a fé tem um compromisso inalienável com a verdade? Parece que para muitos já não é o bastante ter que conviver com a fé desvinculada da razão, pois o que mais se vê é gente buscado na fé as coisas inexequíveis, as mais absurdas e, logicamente, as que levantam as maiores suspeitas. Longe de mim afirmar com isso que não creio que algumas manifestações de fé sejam realmente sobrenaturais, mas sim deixar claro que o sobrenatural nunca foi, nunca tem sido e nunca será o elemento primordial da fé.

Não falo também da verdade como constatação da realidade, pois essa é na maioria das vezes cruel e impessoal. Afirmo com todas as letras que a verdade que a fé contempla não é aquela que escolhe alguém para ser “o cara”, mas a que tem a sua raiz profundamente fincada na preocupação com o outro, principalmente quando o outro é o mais fraco e desvalido, com aqueles que a Teologia da Libertação chama de “os pobres de Javé”, em plena conformidade com o Salmo 69, que diz: Quando os que são perseguidos virem isso, ficarão contentes, e os que adoram a Deus ficarão animados. Pois o Senhor ouve os necessitados e não despreza o seu povo que está na prisão.



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