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Deus aparece a Moisés, Eugéne Pluchart em 1848 |
Javé é o nome que Deus
se deu a si mesmo. Não é esta a única maneira que ele tem para se revelar:
mesmo fora de Israel o homem pode chegar ao verdadeiro Deus, e este último se
reconhece num nome como El Elyôn, que
também se encontra tal e qual nas religiões vizinhas. Mas, com o nome de Javé, Deus faz mais: pronuncia, por
primeiro, à sua maneira, o nome assumido por seu povo na oração e no culto, e
ele próprio oferece a respectiva significação. Ele o faz numa situação e num
momento que põem à luz ao mesmo tempo a profundeza misteriosa desse nome e a salvação
que ele proporciona.
Enquanto as manifestações de El aos patriarcas ocorrem numa terra que lhes é familiar, sob
formas simples e imediatas, Javé se
revela a Moisés no cenário selvagem do deserto e na aflição do exílio, sob a
figura temível do fogo. Mas ele é justamente o Deus que, no auge da desgraça e
do pecado, vê e ouve a miséria de seu povo, perdoa o erro e a transgressão,
pois ele é Deus de ternura e de compaixão.
O nome e suas origens.
Para a própria Bíblia, as origens do nome divino supõem,
para além da apresentação esquemática de Ex 3, um processo complexo. Para uma
série de textos, Javé levava adiante
a sua obra desde as origens da humanidade e dava-se a conhecer, de maneira cada
vez mais precisa, na linhagem dos patriarcas. Esse é o ponto de vista do
historiador javista, que é entrecortado e completado pela historiografia
sacerdotal. Outro ponto de vista situa no tempo de Moisés a forma definitiva da
religião de Israel, e a faz coincidir com a revelação do nome de Javé. Essa é a concepção que inspira a
tradição sacerdotal; ela tem sua base no relato elohista, e o relato javista a
seu modo a confirma.
É natural que os historiadores modernos tenham buscado a
pré-história desse nome, que por certo não se terá imposto sem referência a alguma
experiência anterior. De fato, a genealogia de Moisés dá à sua mãe um nome
teofórico Yokebed, onde yo bem poderia ser o equivalente de Yau e estar representando o nome divino,
associado à raiz KBD, que lembra a glória. A mesma forma que Yau designava na Babilônia notadamente
no tempo dos patriarcas, em nomes próprios igualmente teofóricos, o Deus invocado
pelo indivíduo portador de um tal nome. Ora, yau vem sem dúvida duma forma pronominal e significa “o meu”. “O
meu" é o nome que o fiel dá ao deus que dele se encarrega. Esse deus, cujo
mistério se deseja respeitar, embora afirmando fortemente o laço que o liga ao
seu servo, está bem na linha do Deus de Abraão, tem já alguns dos traços
característicos de Javé. E a continuidade é bastante normal entre Yau e Yahu, forma abreviada e corrente do nome divino Jeremias = Yirmeyahu = Javé erige, constrói.
Significação do nome.
A cena da revelação do Nome a Moisés comporta ao menos uma
reinterpretação do vocábulo antigo, e sem dúvida uma transformação material.
Ela estabelece uma relação entre o nome Yahvoeh
e a primeira pessoa do verbo hawah/hayah:
ehyeh, “eu sou”. Ao "Eu
Sou" de Deus, o homem responde: “Ele é” ou “Ele faz ser”. É difícil dizer
se yahweh representa um causativo, o
que gramaticalmente seria mais normal, ou uma forma simples arcaica, o que
melhor responderia ao curso do texto. É certo, em todo o caso, que o nome
divino não é mais um pronome pelo qual o homem designa o seu Deus, nem um
substantivo que o situe entre os seres, ou um adjetivo que o qualifique por um
traço característico. É entendido como um verbo, é o eco, nos lábios do homem,
da Palavra pela qual Deus se define.
Essa Palavra é ao mesmo tempo uma recusa e um dom. Recusa de
se deixar prender nas categorias do homem: ehyeh
aser ehyeh. “eu sou quem eu sou”; dom da sua presença: ehyeh 'immak. “eu estou contigo”. Pois o verbo hayah tem um sentido dinâmico: bem mais que o fato neutro de
existir, designa um acontecimento, uma existência sempre presente e eficaz, mais
que um simples esse.
História posterior.
Ao nome de Yahweh está frequentemente associado Sabaoth. Tal título não parece
primitivo, parece remontar ao santuário de Siló e estar vinculado
especialmente à arca. O sentido de Sabaoth
é incerto: talvez, os exércitos de Israel; mais provavelmente, o mundo dos céus
e dos astros. Esse mundo era para os antigos um mundo de seres vivos, e, para
as religiões pagãs, um mundo de deuses. Para Israel, o Deus único dispõe de
todas as potências do universo; subentendendo- se o sentido causativo de yahweh, ele lhes dá a existência.
Entre o exílio e Cristo, por um respeito mais formalista os
antigos israelitas para evitarem profanações pagãs cessaram de pronunciar o
nome de Javé, eles continuaram a
escrever as quatro consoantes do tetragrama sagrado YHWH, mas intercalando as
vogais do nome que pronunciavam em lugar de Yahweh,
Adonai, o Senhor. Essas vogais a-o-a deram
a forma Yehowah, puramente
artificial, doe onde veio o Jehová das antigas traduções em nossa língua. A
tradução da LXX, Kyrios, corresponde
ao uso de Adonai. Através dessas
equivalências e traduções, se o nome de Javé
materialmente desapareceu, sua personalidade era por demais real, demais
independente de todos os nomes possíveis, para que esse desaparecimento a
afetasse. E em Jesus Cristo, Deus não se dá mais a conhecer através de um nome,
e sim através daquele que está acima de todo nome.
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