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Escada de Jacó, Vladimir Bibikov |
Assistindo o filme Seven,
não o da TV, porque prefiro eu mesmo de determinar os intervalos, me deparei
com duas citações interessantes. Uma delas foi extraída da obra Paraíso Perdido
de John Milton, escritor inglês do século XVII, que dizia: É longo e difícil o caminho que do Inferno leva à luz. A outra
citação foi o uso da palavra atrição e o significado dado a ela pelo personagem,
que foi literalmente este: Atrição é você
se arrepender dos seus pecados, mas não porque ama a Deus. Ambas muito
inspiradas, ambas muito impactantes, mas ambas muito erradas, sob o ponto de
vista da fé cristã.
Vou começar justamente pela palavra atrição, porque o
sentido que a fé cristã lhe empresta vai nos levar a conhecer melhor o erro da
citação do grande Milton. No dicionário, atrição é o ato de atritar, e este é
um termo bastante usado pelos dentistas para determinar o desgaste excessivo
dos dentes. Ou seja, toda atrição gera atrito. Então, de onde viria, neste
caso, o atrito entre o pecador e Deus? Ele descreve o estado em que o pecador chega
ao arrependimento sozinho, sem levar em consideração a eficácia o perdão que
vem de Deus, sem buscar a sua face perdoadora ou sequer a cogitar a sua presença
ou sua existência. Dizem alguns teólogos que este é o arrependimento de Judas,
que, aliás, a versão corrigida de Almeida, em Mateus 27.3, nem chama de
arrependimento, e sim de remorso: Então,
Judas, o que o traiu, vendo que Jesus fora condenado, tocado de remorso,
devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e aos anciãos.
Não concordo muito com a distinção que eles fazem entre
arrependimento e remorso, mas tenho que admitir que exista uma diferença enorme
entre o arrependimento que chega a partir do perdão de Deus, e o arrependimento
solitário. Em primeiro lugar, o arrependimento que vem de Deus é uma resposta
ao seu perdão que sempre vem antes, e pasmem, nunca, jamais, em tempo algum será
uma consequência dele. Os evangelhos são ricos em citações onde essa realidade,
que insistimos em desconhecer, prevalece. É a prostituta que não contem suas
lágrimas ante a imensidão desse perdão. São os devedores que passam a amar o
homem que antes perdoou as suas dívidas. É o pródigo que finalmente se lembra
de que o perdão do pai está sempre à espera dele.
Numa esfera primordialmente cristã poderíamos afirmar sem
exagero algum que não existe a possibilidade do fenômeno arrependimento sem
perdão acontecer, porque o arrependimento não é nada mais do que uma manifestação
da ação graça de Deus, pois é ela que vem antes, que age antes e que vem
justamente na hora em que o pecador está mais sufocado pelo próprio pecado e
mais consciente da sua miserabilidade.
Isso nos leva, então, à análise da citação de John Milton.
Segundo ele, por mais longo e difícil que seja, existe um caminho que faz com
que o pecador por si só alcance a luz. Para a Bíblia esta questão foi resolvida
na fracassada tentativa de construção de uma Torre chamada Babel. Aquele que foi
o maior empreendimento humano no sentido de estabelecer uma ponte, escada,
ladeira ou plano inclinado que levasse a criatura até o criador não passou de
um fracasso total. Reparem que no sonho de Jacó que Gn 28 narra é Deus quem
constrói esse caminho, mas o faz no sentido inverso, ou seja, um caminho que
leva Deus aos homens. Nesse caminho Jacó viu anjos caminhando, mas não diz que
qualquer deles ajudou ou interferiu na obra. Esse caminho foi feito
exclusivamente por Deus, e se concretizou na vinda de seu Filho, que de forma também
exclusiva possibilitou indistintamente a todos andar livremente por ele em
ambas as direções.
Eu sou o caminho, e a
verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. Por mais humilhante
que seja, esta é a realidade da fé. Da nossa parte cabe apenas aceitá-la
Foi imbuído dessa consciência que o meu velho pastor, já
falecido, Antônio de Campos Gonçalves, compôs uma das mais belas páginas do
cancioneiro evangélico brasileiro, o hino 92 do Hinário Evangélico, que dentre
outras fantásticas declarações diz:
Esforços da terra, precário destino,
Empenho dos homens, riqueza, o que for,
Não valem a bênção do reino divino:
Por isso eu preciso de ti, meu Senhor.
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