Hinologia e doutrina

Louvando Ele, Susanna Katherine

Da lista de palavras mais abomináveis para alguns segmentos da igreja em toda a sua história, a palavra Teologia seguramente foi uma das que mais constou. O estudo sistemático da revelação de Deus foi, e continua sendo, o ponto de divergência entre os diferentes grupos religiosos. Alguns mais afoitos chegam a declarar insistentemente que a Teologia é apenas uma doutrina de homens. Diante deste quadro, duas questões devem ser levantadas: para estes o teólogo não se enquadra morfológica e nem psiquicamente no gênero humano, ou a doutrina que seguem é a revelação direta de Deus sem intermediários, intérpretes ou tradutores. Sim, porque o problema se inicia quando a doutrina estabelecida deles é confrontada por outra diferente.

E bem certo, também, que a doutrina, seja ela fruto de uma análise teológica sistemática, ou da interpretação de uma revelação pessoal, que em última instância também é uma análise teológica, se manifesta de formas as mais diversas. A mais comum, mais abrangente e mais comunicativa nos dias de hoje é, sem sombra de dúvida, a transmitida através da hinologia, que recebeu o nome de louvor. É de fato espantosa a velocidade com que um hino lançado chega às congregações evangélicas mais distantes. Velocidade e abrangência estas, que empresas de publicidade e gravadoras tradicionais precisam investir bilhões em publicidade para conferir resultado semelhante aos seus produtos, mesmo os já consagrados.

Nenhuma doutrina até hoje foi tão bem difundida e tão amplamente aceita como as que são anunciadas pelos “louvores”. Uma coisa boa para uns, que veem a mensagem do Evangelho circular ativamente. Problema sério para outros, que identificam nesses louvores doutrinas contrárias e estranhas a fé cristã, e que são absorvidas sem nenhum critério. Tudo em favor do nobre e necessário motivo: louvar a Deus.

Para citar um exemplo tomemos a poesia de um desses louvores que diz: Se diante de mim o mar não se abrir, Deus vai me fazer andar sobre as águas. Respaldo bíblico, certamente tem?
A promessa de Deus dirigida a Isaías em 43:1 diz claramente: Quando entrares nas águas eu serei contigo. Mas há quem diga que o versículo fala de um ato anterior de fé. É preciso mergulhar para ver a promessa de cumprir.

Mas a questão é que essa nova hinologia trouxe também para a igreja uma linguagem, se não nova, mais distante. Não se diz mais, como antigamente, vamos cantar corinhos, isto nem de longe assume a força de ministrar louvores, como é a forma usual. O mesmo hino citado serve como exemplo para avaliar a autocrítica que o autor faz na composição. Atesta ele encontrar-se em tal condição espiritual tão elevada, que estaria no momento “rompendo em fé”. Sinceramente confesso não saber se a afirmativa é boa ou ruim em si mesma. Conheço bem o que um rompimento com a fé pode me trazer, contudo, desconheço, até então, o benefício que um rompimento “na” ou “em” fé pode me trazer.

Como argumento final se estabelece a constatação de que na hinologia atual há uma inversão de posições na eterna busca do Criador pela criatura. Alguns dos hinos atuais embutem manifestações que configuram que esta perseguição hoje se dá em sentido contrário, onde a igreja hoje se encontra preparada para o glorioso Dia do Senhor. Deus agora é que necessita ser buscado e localizado para que este encontro aconteça. Outro louvor nos assegura quanto esta magnífica situação em que supostamente a igreja se encontra: Somos corpo, assim bem ajustado. Totalmente ligado. Unidos, vivendo em amor. Um outro, mais declaradamente manifesta essa inversão quando afirma: Senhor tu estás aqui. Teu povo quer te servir. Toma o teu lugar. Pergunto eu: por que haveria necessidade de se convidar Deus para tomar lugar que já é seu? Por que motivo, para que desta forma o sirvamos? Que corpo é este tão bem ajustado? Onde está esta igreja?

Henry Maxwuell Wright, autor de alguns hinos do hinário, morreu sem encontrá-la. A doutrina da sua poesia é bem mais arcaica. Ela nos fala de um tempo diferente de hoje, quando Deus ainda andava incansável em busca do pecador, quer estivesse ele dentro ou fora da igreja. Fala de um pecador que se põe em fuga, necessitando dramaticamente que o amor de Deus o encontre e o resgate. O hino 38 do H.E. nos fala de um amor assim. De um “Amor que Vence”, já que este é o título do hino. Fala de um amor que parece não mais existir, ou então, que de tanto vencer, teve também a sua validade vencida, como parece acontecer nos hinos atuais.
Amor, que por amor desceste!
Amor, que por amor morreste!
Ah! Quanta dor não padeceste!
Minha alma vieste resgatar
E meu amor ganhar!

Amor, que com amor seguias,
A mim, que sem amor tu vias!
Oh! Quanto amor por mim sentias,
Eterno Deus, Senhor Jesus,
Sofrendo sobre a cruz!

Um comentário:

NEHEMIAS RUBIM disse...

Prezado amigo Sergio
" Por quê haveria necessidade de se convidar Deus para tomar lugar que já é seu ?", pergunta você. Como tentativa de resposta falo da diferença entre Deus e CONSCIÊNCIA DE DEUS. Se o Reino de Deus está dentro de nós, precisamos tomar consciência disto. Como? Praticando o amor. A fé sem as obras é nula, você publicou outro dia. Quem ama vive Deus já que Deus é amor. Creio que quanto mais amarmos mais Consciência de Deus teremos, mais "Deus tomaria seu lugar."
Abração

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