Das profundezas, Geoges Rouault em 1927 |
Em outra ocasião, sob o título de Mitos sobre a oração, nós falamos
de três posturas não tanto ortodoxas adotadas por grande parcela dos membros de
nossas igrejas, quando se dispõem a orar a Deus. Sem aproveitar os argumentos
apresentados naquela postagem, mas como uma espécie de complemento à ideia
inicial, que é a de falar sobre a oração, gostaríamos de expor mais duas atitudes
que podem sem observadas frequentemente em nossa vivência no evangelho.
Uma delas fala do fechamento das nossas orações, que assim
como a sua abertura, tem exigido de nós palavras encontradas apenas nos discursos
dos grandes tribunos. Tudo isso no lugar do simples amém, que Jesus nos ensinou
na oração primordial. Conheci no passado distante um senhor chamado Galileu, e
o cito apenas como referência, pois sempre o admirei que após as costumeiras
petições acrescentava antecipadamente um belíssimo e raro jogo de palavras como
agradecimento. Dizia ele: Nós tais as agradecemos. Nesse navio do meu saudoso amigo Galileu, muitos têm embarcado
mesmo sem possuir a sua erudição e têm escorregado solenemente na maionese. Eu
tenho ouvido orações que terminam com as seguintes palavras: porque nós oramos em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo. É aí que cabe a pergunta: afinal, estamos orando a quem?
Motivados pela importância litúrgica que possuem as três
pessoas da Trindade quando citadas em conjunto, nos esquecemos de que as
orações devem sempre ser feitas em nome do Filho, e que são dirigidas ao Pai,
após passarem pelo aperfeiçoamento do Espírito Santo.
Não podemos deixar de falar do tradicional costume que adquirimos,
de subir montanhas para de lá proferirmos as nossas orações. Nenhuma crítica
aos usuários desta prática, pois não há nada de errado em buscarmos um local
isolado para melhor nos concentrarmos no objetivo de nossas orações. Contudo,
se subimos os montes com o intuito de nos aproximarmos mais de Deus para que
sejamos mais prontamente atendidos, incorremos numa série de equívocos. Um
deles é imaginar que a oração para ser atendida necessita da nossa parcela de
sacrifício. Outro é tentar se colocar em posição privilegiada, longe e acima
dos demais suplicantes comuns.
Mas o diferencial está realmente no monte. Quando vemos que todos
os profetas do Primeiro Testamento denunciavam os cultos dirigidos às
divindades pagãs, que aconteciam justamente nos montes. Quando vemos o salmista
desorientado e sem esperança olhar para os montes, e fazer a crucial pergunta:
de onde me virá o socorro? Quando vemos que Elias escolheu o Monte Carmelo como
campo de batalha para confrontar os 400 profetas de Baal, justamente porque
naquele monte estava o quartel general do paganismo, precisamos olhar as práticas
realizadas nos montes com muita cautela e critério.
É bem sabido que Moisés recebeu as Tábuas da Lei no Monte
Horeb e que Jesus proferiu o seu mais extenso sermão em umas das montanhas da
Galileia. Mas diante disso podemos pensar também que os montes são os lugares
em que Deus fala conosco, porque o lugar de onde falamos com Deus será sempre o
abismo em que nos encontramos, que estejamos na montanha mais alta do planeta.
O salmista no salmo 130 dá a verdadeira localização daquele que ora: nas
profundezas. É da profundeza do nosso egoísmo, do nosso pecado e da nossa omissão
que as nossas orações são proferidas, pois esse é o lugar em que nos
encontramos. É na profundeza de quem tem a certeza de que não possui qualquer mérito,
e de quem reconhece o enorme abismo que o separa de Deus. Esse é o lugar da
oração.
Nos esquecemos também de outra coisa que o salmista
enfatiza: a necessidade do perdão, porque esse sim abre as portas para que as
orações dos pecadores se transformem em um diálogo com o Santo dos Santos. Esse
elemento encontramos somente em Deus, pois como bem nos lembra o salmista: Contigo está o perdão.
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