Meu nome é Multidão III

Gadareno, Holyhome
O homem vinha do cemitério, onde estava morando. Ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo usando correntes. Muitas vezes já tinham amarrado as suas mãos e os seus pés com correntes de ferro, mas ele quebrava tudo, e ninguém conseguia dominá-lo. Passava os dias e as noites nos montes e entre os túmulos, gritando e se ferindo de propósito com pedras. Leia Marcos 5.1-20

Vamos agora tentar investigar quem foi Multidão no seu passado, porque certamente ele teve um passado. Como todo mundo, ele possuiu uma consciência que durante anos processou tudo o que ele considerava certo e errado. Desde a infância ele gravou na sua consciência o que lhe foi ensinado, como acontece com todos nós. Como toda pessoa, ele errou em fazer escolhas. Ele foi contra aquilo o que sabia ser o certo e como todo mundo, também, sentiu-se julgado pelos seus atos e logo se sentiu culpado, mas não falou sobre isso com ninguém.

Carregou sozinho a culpa de fazer o errado, porque exatamente, como nós, ele passou a imaginar que era o único errado na face da Terra. Eu tenho alguns segredos sobre mim mesmo que ainda não arrumei coragem de contar a ninguém. É isso mesmo, todos nós um dia fizemos algo errado e guardamos esse segredo até o túmulo, porque achamos que fomos os únicos capazes de cometer tal erro e assim escondemos nossas atitudes e nossos sentimentos e por conta disso passamos a nos odiar.

Voltando ao Multidão, sem demora ele passou a não gostar mais de si mesmo e passou também a condenar tudo que fazia. Os pensamentos sobre os seus atos errados o jogaram em uma forte crise de depressão que o levou a um desprezo radical de si mesmo e a hostilizar as pessoas mais próximas e mais queridas. Ele passou a dizer e a fazer compulsivamente tudo aquilo o que ele sabia que não podia dizer nem fazer. Por sua vez, a sua família sofria junto, mas sem saber o que o fazia agir daquele jeito. Multidão gritava por alívio e gritava mais alto ainda por alguma ajuda, mas a sua maneira de gritar e de pedir ninguém entendia. Não havia ninguém que o compreendesse e aí a síndrome se estabeleceu num padrão: negação da consciência, condenação e compulsão.

O evangelho de Marcos com poucas palavras nos dá o prontuário do desespero. É o nosso texto de hoje. Marcos nos diz que o homem tinha um espírito mau. Isso foi a maneira com que, nos dias de Jesus, ele pôde descrever aquele que estava possuído de uma compulsão diabólica que o impelia a fazer coisas estranhas e más. Naquela época, estar possuído por um espírito mau explicava todo tipo de doença mental. Mas este termo fala muito pouco da situação do Multidão, por essa razão é que São Marcos vai além da simples narrativa. Ao dizer que ele morava num cemitério, quis falar da sua alienação da sociedade que foi o resultado final do afastamento dos seus familiares. Pode ser também que a sua vida passada lhe causava tanta vergonha que ele não podia mais encarar as pessoas. As nossas cadeias estão cheias de gente assim. As cadeias estão lhes prestando um favor isolando-os de vez de um mundo no qual não possuem coragem para encarar.

O hábito do Multidão de se esconder da realidade já havia começado bem antes. Começou nas coisas que ele fazia de errado e escondia da sociedade. O resultado de esconder o que somos, o resultado de esconder o que temos sido produz doenças desse tipo. Não faz muito tempo, pessoas assim eram chamadas de alienadas, fora de si, fora dos outros e fora da realidade, e Multidão era assim. A manifestação final de tanto ódio foi a tentativa de destruir a si mesmo, isolando-se de tudo e de todos e ferindo-se com pedras. (continua)

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