A parábola da caverna

Fela Moscovic, professora de Psicologia da Universidade de Chicago

Texto de Fela Moscovic, de 1993.

No pórtico do templo dedicado a Apolo, em Delfos, havia uma Inscrição: “Conhece-te a ti mesmo." Sócrates, cujo nome significa “mestre da vida”, acreditava que aquele dístico era a pedra fundamental no caminho da sabedoria e do conhecimento. Considerado o homem mais sábio da Grécia pela própria pitonisa de Delfos, enunciou sua célebre conclusão a respeito: “Sei que não sei”.

A afirmação paradoxal que ele era sábio porque “sabia que não sabia” contém implícita a tese de que o reconhecimento da ignorância é o começo da sabedoria.

Nos "Diálogos" de Platão aparece a figura de Sócrates como um hábil questionador que usa, principalmente, de ironia para transmitir dúvidas aos interlocutores, representados por homens tidos como cultos, entre sacerdotes, poetas, militares, políticos, em sua pretensiosa sabedoria. O teste final consistia em indagar se o dialogador "sabia a ignorância expressa em sua questão...".

Em outra obra clássica, “A República”, Platão também desenvolve muitas ideias de seu mestre Sócrates. No livro VII, a parábola da caverna tomou-se um marco filosófico no pensamento ocidental sobre processos de mudança social, educação e desenvolvimento.

A alegoria pode ser resumida como segue:
Havia seres humanos vivendo numa caverna subterrânea com uma abertura para o exterior e a luz. Eles estavam lá desde a infância; suas pernas e pescoços estavam acorrentados de tal nodo que não se podiam mover; só podiam olhar para a frente, para a parede do fundo da caverna, pois eram impedidos de virar a cabeça por causa das correntes. Havia um fogo ardente, à distância, que projetava sobre a parede do fundo as sombras de pessoas e objetos que passassem atrás.

Assim os prisioneiros da caverna, que só podiam olhar para aquela parede, acreditavam que as sombras que viam eram a realidade; e passaram a distingui-las e nomeá-las, associando-as às formas que viam e aos sons que ouviam. As sombras eram a sua verdade, a realidade do seu mundo.

Imaginando que um deles pudesse libertar-se das correntes, pôr-se de pé, virar a cabeça e olhar para o fogo, ele sofreria com a súbita e intensa luminosidade e não poderia ainda ver a nova realidade. Ele precisaria acostumar-se com a claridade do fogo e a visão do inundo superior, além da caverna. Veria primeiro as sombras, depois os reflexos de homens e objetos na água e então os veria diretamente; depois veria o céu, o sol e poderia raciocinar sobre ele. Esta é a sequência do conhecimento.

Imagine-se que este homem retomasse à caverna. Teria dificuldades para acostumar-se novamente à semiescuridão e para interpretar as sombras com habilidade, como seus antigos companheiros faziam. Estes diriam que ele voltara enxergando menos que antes e ridicularizariam suas ideias, não acreditando na estranha realidade que lhes era relatada.

Os prisioneiros concluiriam então que era melhor não sair da caverna, não rejeitar as sombras tão familiares, e que era extremamente perigoso aventurar-se lá. Fora. E se o regressado insistisse em suas ousadas e esquisitas opiniões, seria julgado um perturbador da ordem e condenado por tal conduta ultrajante.

A parábola da caverna, escrita no século IV a.C., discute as relações entre aparência, realidade e conhecimento, temas apaixonantes, atuais e ainda não esgotados no limiar do século XXI.

A caverna simboliza o mundo da visão aparente; a luz do fogo, o sol: a jornada_do exterior, a subida ao mundo intelectual do conhecimento e do bem. Q mundo inferior ou visível é composto de sombras, aparências disformes da realidade, e é habitado por homens que se tomam prisioneiros de suas crenças e opiniões baseadas simplesmente no que enxergam.  O mundo superior, o inteligível, é a verdade, a realidade na qual os homens são livres para ver a luz, o sol, o mundo, a existência.

Passar do mundo das aparências Para o mundo da realidade requer coragem para assumir riscos, motivação para mudança, mente aberta.

Na organização, em geral, a maioria das pessoas age como os prisioneiros da caverna, acomodados em suas crenças ortodoxas que bloqueiam novas ideias e visões, tal qual as correntes da alegoria de Platão.

Os poucos inovadores corajosos, que conseguem libertar-se das correntes e trazer visões originais, costumam ser objeto de escárnio, desconfiança, desagrado, hostilidade. Se insistem em seus argumentos, podem por vezes chegar a sofrer sanções, como isolamento, transferência, afastamento do cargo ou até exoneração; consumando-se sua execução simbólica, replica do julgamento, execração pública e condenação à morte de Sócrates, por estar pervertendo a juventude com suas ideias extravagantes, falsas e deletérias...

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