O eterno e o transitório

Os mandamentos que hoje estou dando a vocês não são difíceis de entender, nem de cumprir. Não estão lá em cima, no céu, de modo que vocês perguntem: “Quem subirá até o céu a fim de nos trazer os mandamentos, para os ouvirmos e cumprirmos?” Nem estão do outro lado do mar, de modo que perguntem: “Quem atravessará o mar a fim de nos trazer os mandamentos, para os ouvirmos e cumprirmos?”  Deuteronômio 30.11-13
A Criação de Adão
Antoine de Saint-Exupéry, um dos autores mais lidos e traduzidos da história humana, dizia em “O Pequeno Príncipe”, aquele que é o terceiro maior best seller que o mundo conheceu, ficando atrás apenas da Bíblia e de “O Peregrino”: Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos. Penso que, em uma esfera de consenso global, não existe pensamento filosófico que reúna condições de contestar tão rara pérola da literatura. Seria eu um idiota fundamentalista se questionasse o autor francês através das palavras do escritor bíblico do Deuteronômio, citadas acima. Também não posso ser tão ingênuo a ponto de querer questionar o milenar ensinamento da Bíblia, valendo-me da fina flor do pensamento do século passado. Mas também não posso deixar de levar em consideração a peculiaridade de ambos os contextos, cujas conclusões aparentemente se contradizem.

Exupéry está fazendo o desabafo de uma alma atormentada de alguém que presenciou, com visão privilegiada, praticamente todas as mazelas e horrores da II Guerra Mundial. “Exupéry traz o reencontro do adulto com olhar perdido de criança e também o encontro da criança com questões da vida adulta”, analisa assim Verónica Galíndez Jorge, professora da USP. Quanto à popularidade do livro, ela também faz uma preciosa observação:”Também não podemos deixar de lado o fenômeno editorial dos anos 1980, quando o livro chegou a ser lido como autoajuda". Este é o contexto do nosso autor e da sua notoriedade.

Praticidade, lógica e argumentação que invalida a possibilidade de se levantar ponderações ou controvérsias, é esse o contexto bíblico. O autor, que penso eu ser Baruc, quer deixar claro que nem mesmo as filosofias mais antigas e aceitáveis, nem mesmo a razão humana na sua mais pura essência, nem mesmo os apelos mais sinceros da alma, nem mesmo eles todos juntos podem servir de ponderação ou desculpa para que não se cumpra ou se observe o menor de todos os mandamentos divinos.

O essencial da sublimidade, do consciente coletivo, dos laços fraternos e da convivência harmoniosa, este realmente é invisível aos olhos. Mas a lei que delibera entre a vida e a morte, a lei sem a qual abdicamos da condição humana para assumirmos a condição de feras, essa está claramente visível diante de cada um de nós. Ela está, da mesma forma, dentro das possibilidades e capacidades de cada ser humano, e é perfeitamente inteligível à mente menos privilegiada. Como diziam os camelôs de antigamente: Não requer prática nem tampouco habilidade.

Este é o grande desafio que a Palavra de Deus nos apresenta para a transformação do mundo. Essa transformação que não passa, segundo a Bíblia, por revelações de visões alucinatória ultra secretas, ocultas desde a fundação dos tempos, ou por solução de enigmas ancestrais trazidas por um ser iluminado, que está milênios adiante do nosso tempo. Muito menos que nos vem através de experiências vividas por povos de além mar, que supostamente tenham atravessados estágios de civilização mais avançados que os nossos. Os Mandamentos de Deus são apenas um código que define o que queremos realmente fazer desse mundo e das nossas vidas.

O pastor e escritor anglicano John Newton escreveu em uma carta: Nem mesmo a mais distante periferia do conhecimento de Deus pode ser alcançada por meio da discussão filosófica da nossa parte, ou por revelação da sua parte. Ou seja, o nosso pensamento, ainda que nos pareça sublime, é limitado por uma mente ainda estreita. Mas o apóstolo Paulo completa: Desde que Deus criou o mundo, as suas qualidades invisíveis, isto é, o seu poder eterno e a sua natureza divina, têm sido vistas claramente. Os seres humanos podem ver tudo isso nas coisas que Deus tem feito e, portanto, eles não têm desculpa nenhuma.

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