Seis passos da compaixão I

O bom samaritano, Ferdinand Hodler (1853-1918)
Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar. Lc 10.33-35

A palavra hebraica que normalmente é traduzida por compaixão na Bíblia, não é um sentimento que tem lugar no coração, como é comum entre os ocidentais. Em vez de citarem o costumeiro aperto no peito, como sempre fazemos nessa hora, o povo semita fazia referência às dores da região do ventre. O sentimento de compaixão era revelado através do revolver das entranhas, como é por diversas vezes citado na Bíblia. Porém, se formos cavar um pouco mais neste solo, vamos descobrir que essa referência faz alusão a uma sensação própria do ventre materno. Ou seja, ter compaixão é o mesmo que sofrer as dores de um parto ou ter uma ligação do tipo mãe e filho com a pessoa por quem se tem compaixão.


Esta comparação, por mais que pareça o extremo exagero da sublimidade aos nossos olhos, ainda assim ela é relativizada na Bíblia, quando fala da compaixão de Deus para conosco: Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele, eu, todavia, não me esquecerei de ti. (Is 49.15)

Na parábola do Bom Samaritano, Jesus faz um resumo do que é compaixão, traçando um roteiro para que este sentimento se desenvolva em nós.

Primeiramente ele fala que o samaritano viu o acidentado. Nós sabemos que entre ver e olhar existe uma enorme diferença. Um instrutor do meu curso técnico costumava escalonar a visão dos alunos da seguinte maneira: O aluno do primeiro ano, não olha e nem vê. O do segundo ano olha, mas não vê. Quando chega ao terceiro ano, ele vê apenas o que olha. Somente o aluno do quarto e último ano consegue ver sem olhar. Contudo, até mesmo no ver encontramos diferenças, porque, segundo a parábola, tanto o levita quanto ao sacerdote também o viram o homem caído, mas o viram através dos olhos da lei. Segundo a lei judaica, um corpo morto torna impuro tudo que o toca, e aqueles homens necessitavam do estado de pureza para desenvolverem os seus ofícios. Tocar naquele caído representaria um alto risco à sua condição.

Mas Jesus fala de um outro olhar. Um olhar que não leva em consideração preceitos legais, diferenças raciais, ideológicas, financeiras ou de afinidade. Jesus coloca num samaritano, que era considerado extremamente impuro pelos judeus, a capacidade de ter esse olhar da compaixão, o olhar de quem se importa.

A parábola também enfatiza que o samaritano se aproximou do ferido. Ele se fez próximo. É bom que nos lembremos de que essa era uma das perguntas do intérprete da lei quando quis colocar Jesus à prova: Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo? (Lc 10.29) Essa era a pergunta que nem mesmo o mais inculto judeu faria, visto que próximo é, para a lei judaica, a pessoa mais importante depois de Deus, e tão importante quanto à própria pessoa. Ao mesmo tempo, é também uma pergunta cuja resposta pode determinar uma série de implicações, pois amar um romano, por exemplo, significava ser um traidor de Israel. 

Mas Jesus vai buscar a sua referência numa cena que deveria ser comum. Certamente na estrada que ligava Jerusalém a Jericó, por ser deserta, esse tipo de crime era corriqueiro. No entanto, Jesus teve a sabedoria de inverter os papéis. Nessa parábola ele mostra ao judeu que quem precisava do favor do próximo não era um judeu como ele, e não o contrário. Um judeu ajudar a outro judeu seria um cumprimento da lei. Um judeu ajudar um não judeu seria um arroubo de bondade. Ajudar a um romano seria uma alta traição, mas ajudar um samaritano seria um desperdício de tempo e sacrifício. É justamente por isso que Jesus inverte os papéis, ensinando através da necessidade de se obter compaixão, a urgência e a frequência com que a compaixão deve ser praticada entre aqueles que o seguem. (continua)

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