John Wesley (final)

Wesley in Wednesbury, gravura do século XVIII 
O primeiro aspecto é a conversão de Wesley da paixão para a compaixão. Assim foi convertida sua emoção predominante, que era a paixão severa de um zelote do julgamento de Deus, para a compaixão de uma testemunha convincente da graça de Deus. Wesley foi transformado de um inquisidor da lei para um pastor de ovelhas. Foi transformado de um religioso arrogante para um servo humilde. Esta mudança espantosa começou de maneira silenciosa e mansa em uma reunião de poucas pessoas. O evangelho nunca é anunciado verdadeiramente até que ele sido vivido verdadeiramente. O zelo, o fanatismo, paixões, emoções fortes, a retórica inflamada, nenhum deles ou mesmo todos juntos, não representam a consistência do que é a pregação real do evangelho. Nós podemos nos empolgar, podemos gritar, podemos defendê-lo com unhas e dentes mas isso não quer dizer que estamos pregando o evangelho.

Peter Böhler, líder moraviano, recomendava a Wesley o seguinte: Você deve pregar sobre a fé até que a consiga. Mas para Wesley não tinha acontecido desta maneira, ele pregou sobre a fé até que os outros a tivessem conseguido. A pregação de Wesley visava fazer chegar ao povo a mensagem da graça de Deus que nos busca e do amor de Deus que nos constrange. A mensagem de Deus que nos alcança e que nos salva. Ele se tornou um pregador de fato do evangelho quando, por meio da graça, pôde oferecer a si mesmo aos seus ouvintes como um mensageiro que também havia sido resgatado, e não mais como um juiz acusando e condenando o pecado dos outros. Foi o dom da graça, da graça da compaixão o que aconteceu naquele vinte e quatro de maio em Aldersgate. Foi esta graça que transformou um fanático de 36 anos no pai do povo chamado metodista.

Eu cresci cercado por estes fanáticos. Fanáticos na igreja, na escola, até no meio da minha família tinha destes fanáticos. Quando sabiam que eu tinha ido ao Maracanã num dia de domingo, faziam comigo uma verdadeira excomunhão. Pois eles não, estavam na rua distribuindo folhetos, gritando nas praças, até onde não deviam eles se metiam. E quando eram impedidos, gritavam mais alto ainda, porque estavam sendo “perseguidos” por causa do evangelho. E eu que não fazia nada disso me sentia um condenado irrevogável ao quinto dos infernos. Eu me sentia sem fé, sem religião e completamente destituído da graça de Deus. Hoje eu fico pensando: Como alguém imagina que a mensagem suave e mansa do evangelho pode levar a este tipo de fanatismo? Talvez seja por isso que a nova geração tenha tanta dificuldade em ouvir e aceitar a mensagem do amor de Deus. Será que precisamos esperar que mais uma vez o dom graça transforme fanáticos em pregadores?

Temos também um segundo aspecto. A conversão de Wesley foi apenas o início e não o fim da sua vida cristã. A grande maioria dos ouvintes do evangelho já foi membro de uma igreja. A grande maioria do nosso povo já ouviu, de alguma forma, a mensagem do evangelho. O que os ouvintes de Wesley precisavam é o mesmo que precisamos hoje: uma dimensão totalmente nova e diferente para ouvir e crer na mensagem do evangelho. Às vezes isso pode significar pregar a Cristo contra as leis fundamentais da igreja, pregar a Cristo contra o nosso próprio modo de pensar e agir como cristãos. Pode significar também pregar a Cristo contra as nossas mais profundas convicções e crenças. Estar aberto à graça de Deus significa sempre pregar a Cristo em uma vida de progressão no aspecto do amor e da misericórdia da fé, e nunca de estagnação de julgamentos, conceitos e regras rigidamente pré estabelecidos. Como dizia Paulo: Esquecendo-me das coisas que para trás ficam, prossigo para o alvo, para o prêmio que é a suprema vocação de Deus em Cristo.

Mas existe ainda um terceiro aspecto. Existe outra característica em Wesley que precisamos enfatizar. Para ele, a essência da fé era pessoal. Claro, esta foi a sua experiência na rua Aldersgate. Para ele a essência fé buscava sempre o interior da pessoa, a sua consciência íntima, mas o seu resultado era uma obediência pública e social. A maior herança que ele deixou ao cristianismo foi essa. Eu agradeço muito a Deus por ter sido criado dentro da doutrina ensinada por Wesley. Um dos poucos na história da igreja que teve o equilíbrio perfeito entre a fé apaixonada e a consciência crítica contra as injustiças do mundo. A sua luta contra a escravidão, a exploração do operário, contra o trabalho infantil mostrava, sob todos os ângulos, a fé pessoal que ele tinha em Jesus Cristo.

Hoje não. Vamos a uma igreja tudo é individual. A salvação é pessoal, a fé é pessoal, o louvor é pessoal, a oferta também é pessoal. Vai-se a outra igreja e lá só se fala da corrupção, das injustiças, do descaso das autoridades. Não existe mais o equilíbrio entre fé interior e fé ativa que salvou a Inglaterra do banho de sangue que aconteceu na vizinha França. Wesley e seus pregadores leigos que o resultado de uma fé de retidão é se empenhar ao máximo para acabar com as injustiças do mundo, o que é ser cristão no mundo.  A Palavra de Deus audível precisa se tornar a Palavra de Deus visível, e isto serve para todas as gerações desde que o mundo é mundo.

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