Unção de David por Saul por Felix Joseph Barrias
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Fora de Canaã, esse tipo de investidura quase não se
encontra; o rito é mencionado em duas cartas de Amarna, na Síria (I Rs 19.15) e
com respeito aos reis heteus; da Mesopotâmia temos apenas um texto duvidoso do
ritual régio assírio; a unção dos faraós, que antigamente se supunha com
demasiada facilidade, não consta com certeza, quando muito, pode ser mencionada
a unção dos mais altos oficiais egípcios por ocasião de sua tomada de posse. Nas
Sagradas Escrituras, porém, a unção aparece como o sinal normal da realeza, o
critério externo da eleição; o título "ungido de Javé" exprime
adequadamente o caráter sagrado do soberano. O termo unção às vezes abrange toda
a investidura; o rei só é “constituído" definitivamente, quando recebeu a
unção de Javé. Às vezes o rei era ungido pelo povo (II Sm 2.4-7; II Sm 5.7; II Rs
23.30), mas isso não quer dizer nenhuma secularização; nem prova que a unção
originariamente tenha sido um rito profano, em que o papel dos anciãos depois
teria sido transferido para Javé, Em todas as circunstâncias, o rei continua o
ungido de Javé (I Sm 24.7-11; I Sm 26.9-23; II Sm 1.14-16; II Sm 19.22); a
unção é feita pelo representante de Javé, o profeta (I Sm 9.16; I Sm 10.1; I Sm
15.1-17; I Sm 16, I Sm 1.12; II Sm 12,7; II Cr 6.42).
Sobre o sentido da unção real existem diversas opiniões.
Conforme W. Robertson Smith, esse gesto teria conferido ao soberano uma matéria
sagrada (mana) ou uma espécie de fluido carregado de forças, pelo qual ele
teria participado da própria vida poderosa de Javé. Está claro que tal
concepção primitiva não condiz com os dados bíblicos na sua forma atual. Nem
tampouco pode o simbolismo bíblico da unção ser baseado no gesto do hospedeiro
ao receber os hóspedes, de sorte que significaria uma proteção divina especial.
Ao que tudo indica, o rito visa uma consagração a Javé, consistindo concretamente
na posse do “espírito” e na inviolabilidade. Os textos tomam claro que é pela
unção que o rei recebe o espírito de Javé (I Sm 10.1-6; I Sm 11.6; I Sm 16.13;
I Sm 19.23); o ser arrebatado repentinamente para uma proeza extraordinária (o
sentido original do dom do espírito de Javé) exprime- se pela fórmula que “o
espírito cai sobre o ungido” (I Sm 1613; Jz 14.6-19; Jz 13.25). No entanto,
essa posse do espírito não deve ser tomada em sentido literal demais, como se
tomasse o rei partícipe da natureza divina de um modo quase material, ou como
se o espírito de Javé (em vez do próprio Javé, sem mais) estivesse
corporalmente presente no rei. Nos textos do Primeiro Testamento, a posse do
espírito toma um caráter mais ético; receber o espírito do Deus do povo eleito
significa, afinal, sofrer uma transformação “receber um outro coração” (I Sm 10.9).
Trata-se, portanto, ao que parece, de uma metamorfose completa da psique (I Sm 10.6).
De pessoa privada o rei muda-se em chefe carismático; exatamente como os Juízes,
é repleto de uma força sobre-humana, a fim de executar os planos de Javé, como
instrumento na sua mão. A comunicação do espírito (efeito da unção) é portanto,
praticamente, a legitimação do rei da parte de Deus (cf. a expressão: “Deus é
contigo”: I Sm 10.7). Por causa do rei "o temor de Javé se apodera do
povo” (I Sm11.7); é Javé também quem (pelo rei: I Sm 2.35) opera a “salvação de
Israel”, i. é, dá a vitória (11,13). Como a unção faz do rei o representante
consagrado de Javé, o próprio fato da unção o toma também inviolável; o rei não
pode ser deposto (I Sm 42.7-11; I Sm 26.9-23); ele é uma espécie de nazireu; um atentado contra ele é um
sacrilégio. A unção fazia-se sempre num lugar sagrado (II Sm 2.4; II Sm 5.3; I
Rs 1.9); isso realçava ainda mais a ligação entre Javé e o seu ungido.
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