Copérnico conversa com Deus por Jan Matjeko |
Texto do reverendo Paulo Schütz.
Discute-se amplamente hoje a relação política e religião. O
sentimento geral é de que não devemos misturá-las, bem como com referência à
relação desta com a economia e às ciências. Os que atuam nessas áreas têm
concepções distintas, ou nenhuma, sobre religião, o que dificulta grandemente o
diálogo. Adotemos a que parece mais difundida entre as pessoas comuns e procede
da etimologia do termo que a designa: religião = religação. Seria o esforço do
homem em recuperar a harmonia perdida entre seu comportamento e a ação sábia e amorosa
de Deus na criação e na manutenção do que existe, do que vive.
Temos de reconhecer que a maioria das práticas dos que se
dizem religiosos, em todos os tempos, não condizem com essa concepção. Seus
princípios são inventados ou distorcidos para servir a interesses individuais e
de grupos, sejam políticos, econômicos ou de qualquer natureza. Mesmo instituições
consideradas religiosas chegam a comportar-se como verdadeiros partidos na
busca de espaço político; ou como empresas comerciais que se orientam pelas
perversas leis chamadas de mercado.
Mesmo a história do cristianismo está repleta de exemplos
horríveis desse tipo de comportamento, mas não podemos ignorar também a
importante contribuição de organizações e pessoas religiosas, ancoradas em sua
fé, para a preservação e o aperfeiçoamento da democracia, bem como na
proposição e incentivo a práticas econômicas mais justas e includentes. O mesmo
acontece com o Islã; devido à flexibilidade de sua doutrina, permitiu que muita
atrocidade fosse praticada em seu nome, mas também inspirou formidáveis regimes
pluralistas e protetores da diversidade e do intercâmbio nas diversas áreas.
Sabemos também que os religiosos poderosos geralmente
procuram inviabilizar as atividades científicas que possam relativizar as
doutrinas que fundamentam a manutenção de seus privilégios, mas muitas
conquistas das ciências deveram-se também à inspiração religiosa. Santo
Agostinho, bispo de Hipona, por exemplo, muito tempo antes de Einstein
demonstrar cientificamente a relatividade do espaço e do tempo, baseado em
premissas teológicas, já afirmava que este último era uma propriedade do
universo criado por Deus e não existia antes dele. Foi igualmente um padre,
Copérnico, quem primeiro percebeu que a terra não era o centro do universo,
pois gravitava em torno do sol; teoria que levou mais de um século para ser
demonstrada pelos cientistas Kepler e Galileu. Gregório Mendel, o Pai da
Genética foi também um monge agostiniano.
A respeito dos muçulmanos, cito Dennis Overbye: Comandados
pelo Corão para buscar o conhecimento e ler a natureza através dos sinais
oferecidos pelo Criador... A língua árabe foi sinônimo de instrução e ciência
durante quinhentos anos, uma idade de ouro que pode contar entre seus créditos
com os antepassados das modernas universidades, a álgebra, os nomes das
estrelas e até a noção de ciência como investigação empírica. No ocidente,
vivia-se então a idade das trevas.
A religião, de fato, não se mistura com política, economia,
nem com as ciências empíricas; as tentativas de fazê-lo sempre causaram muitos
danos. Mas são também inseparáveis, sob pena de também ocasionar muitos
prejuízos. A religião constitui ao lado de cada uma dessas atividades o segundo
trilho da ferrovia sobre os quais se apóia o trem da sociedade rumo ao seus
destino, em todos os ambientes em que ele se move. Os trilhos não podem ser
misturados; sempre juntos, devem manter uma distância constante; quando se
aproximam ou se afastam demais, é desastre na certa. A humanidade não pode
prescindir do esforço próprio da religião para harmonizar seu comportamento com
a ação sábia e amorosa de Deus em curso, a fim de ser bem sucedida em seus
empreendimentos, de qualquer natureza. É a via que busca apontar e acompanhar a
sociedade ao destino mais seguro e pela rota mais confortável.
Além disso, a verdadeira religião move-se também em raia
própria, missão para a qual ela dispõe dos requisitos: a formação do caráter
das pessoas, em termos laicos. Ou melhor, convencer os indivíduos a
preocuparem-se, antes de tudo, com o que é verdadeiro, respeitável, justo,
puro, amável, de boa fama, conforme as palavras do apóstolo aos filipenses. Do
que mais carece o mundo em nossos dias, certamente, é que as religiões se
dediquem com mais empenho nesse afã que lhe é próprio.
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