Batismo de Jesus, Guercino |
Uma coisa eu aprendi com os grandes homens do evangelho que
foram, para Jesus, João Batista; para mim, João Wesley: nunca aceitar
placidamente a vida que se está vivendo. Questionar a si mesmo, a despeito de
ser uma das atribuições mais complexas da vida cristã, é ao mesmo tempo algo
extremamente necessário, uma vez que se constitui o princípio e meio de todo o
processo pelo qual alcançamos a verdadeira conversão.
Imagino que eu já tenha deixado claro em postagens
anteriores que não acredito em conversão definitiva, e sim que ela faz parte de
um processo quase que interminável, pois a revelação de Deus é mistério que não
se esgota. Aliás, esse é real sentido da palavra mistério na Bíblia: algo que
quanto mais se aprende, mais se vê o quanto não se sabe. Esse é também o
princípio da Escola Dominical: uma escola que por mais que estudemos nunca sairemos
dela formados.
Mas a tônica desta meditação é o autoquestionamento e o quanto cada
um deve fazer com insistente frequência. O próprio Jesus nos adverte quanto ao
sucesso e ao sentimento de dever cumprido, e ele fez isso mais de uma vez. Uma
quando orientava os discípulos sobre os deveres do servo, que mesmo depois de
ter cumprido todas as tarefas a ele designadas, reconhecesse que não passava de
um servo inútil, pois teria feito apenas aquilo que lhe competia fazer. A outra
foi no Sermão do Monte, quando ele literalmente diz que se tudo na nossa vida
cristã está indo de vento em popa, algo está muito errado conosco: Ai de voz quando todos falarem bem a vosso
respeito. Porque assim procederam seus pais com os falsos profetas (Lc
6.23).
Tomemos como exemplo a vida de Wesley. Muitos atribuem à sua
experiência em 24 de maio de 1738 como algo monolítico pelo resto de sua vida.
Mas não foi isso que ele viu em si mesmo. Seu questionamento o levou
primeiramente à Virgínia, no Novo Mundo, para evangelizar os índios. Em um dos
seus desabafos mais conhecidos ele diz: Vim
para a América converter os índios. Quem converterá a mim? É bem certo que
isso foi antes do 24 de maio, mas em outras ocasiões ele mostrou o quanto
ainda necessitava de conversão. João era radicalmente contra a pregação leiga.
Com a insistência de sua mãe foi ouvir um sermão do leigo Thomas Maxfield, foi
convertido imediatamente dizendo: Isso é
de Deus, não posso contrariá-lo. O mesmo se deu com relação ao trabalho das
mulheres, que ainda hoje existe uma série de restrições, mas não no ideal nele
forjado por Susana Wesley, sua mãe. Um dos mentores desse blog, o falecido
amigo João Wesley Dornellas, dizia que Wesley no final da vida questionava
inclusive a sua conversão em 24 de maio. Não
estou certo disso.
Apesar de todo inconformismo de Wesley, o Batista é para mim
o grande questionador de todo o evangelho. Nascido de linhagem sacerdotal,
tendo o pai como um dos principais sacerdotes da comunidade em que morava, questiona
seus ancestrais voltando a sua mensagem dura e corrosiva justamente contra essa
classe. Uma vez, procurado por alguns deles esbravejou: Mt 3.7 - Ninhada de cobras venenosas! Quem disse que
vocês escaparão do terrível castigo que Deus vai mandar?
Colocou questão também sobre o ministério de Jesus, após
perceber que aquele a quem batizara como Messias tinha um comportamento adverso
ao seu: Mt 11.2 - És tu aquele que haveria de vir ou temos que esperar outro?
Mas tenho para mim que os seus grandes questionamentos, que não
foram poucos, eram dirigidos a si mesmo. Questionou a validade e a relevância
do seu próprio ministério, quando Jesus se chegou a ele para ser batizado: Mt
3.14 -Eu é que preciso ser batizado por
você, e você está querendo que eu o batize? Fez questionamento muito sério
sobre a sua vocação profética. Mesmo que os profetas antigos anunciassem a
vinda de um precursor do Messias, mesmo que ele se enxergasse nessa vocação,
mesmo que se assumisse como “A voz que clama no deserto”, não aceitou o título
de o Novo Elias, o profeta por meio de quem todo o seu ministério seria
concretizado.
Parece que Jesus reservou um amor especial para os grandes
questionadores. Parece que abraçava as suas questões como um agradável indício
de crescimento e de interesse pelo Reino do seu Pai. Foi assim também com Tomé,
com Paulo e tem sido com todos aqueles que ousam confrontar com o status quo vigente. Não é à toa que
Paulo se sentia bem à vontade ao dizer coisas que até hoje não aceitamos bem.
Esses questionadores inspiraram este apóstolo a proferir um dos mais profundos e mais
curtos sermões que a Bíblia fez chegar até nós: Rm 12.2 - Não vivam como vivem as pessoas deste mundo, mas deixem que Deus os
transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês. Assim vocês
conhecerão a vontade de Deus, isto é, aquilo que é bom, perfeito e agradável a
ele.
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