Parshah ki-tavô, bênçãos e maldições, autor não identificado |
O livro
O Deuteronômio é bem diferente dos demais livros do Pentateuco pelo seu estilo oratório insistentemente exortativo. O livro é composto de
discursos de Moisés, interrompidos apenas por algumas introduções e observações
(Dt 1.1-5; Dt 4.41-49; Dt 10.6-9; Dt 27.1-11) e concluídos com a transmissão do
poderes de Moisés a Josué e a sua morte (Dt 31-34).
No corpo do livro (Dt 5-28)
as leis (Dt 12-26) ocupam um lugar central. São precedidas (Dt 5-12) por
discursos de natureza e tamanho diferentes que, com muita insistência, exortam
Israel a aderir, em Canaã, unicamente a Javé, exortação essa que se exprime de
modo clássico no preceito do amor de Deus (6,4s). Depois das leis segue a
conclusão da aliança (Dt 26.16-19), a consignação por escrito das determinações
da aliança (DT 27.1-8) e a proclamação das bênçãos e maldições que virão sobre
o povo conforme a sua fidelidade ou infidelidade (Dt 27.11-26; Dt 28). As alocuções
introdutórias estão, todas elas, impregnadas do mesmo estilo insistentemente
exortativo; também as leis não são apenas textos jurídicos; estão permeadas de
motivações e admoestações: é uma legislação pregada. Tudo isso se faz em
expressões e fórmulas fixas e estereotípicas e dentro de um esquema teológico
que é fácil de reconhecer.
A composição do livro
Alocuções, leis, bênção e maldição baseiam-se provavelmente
num quadro de celebrações litúrgicas. Tal quadro, então, teria sido aproveitado
para a estrutura literária do livro que, afinal, tinha a mesma finalidade que a
liturgia: levar Israel a um compromisso renovado e mais consciente com a
aliança.
Segundo uma opinião recente, mas já largamente aceita, a ideia
da aliança, no Primeiro Testamento, deve a sua origem aos pactos de vassalos
com os seus soberanos, no Oriente antigo. Nesses pactos os reis lembram a seus
súditos o quanto fizeram por eles e quanta gratidão devem, portanto, a seus
mestres. Julgam poder contar com a sua fidelidade e a sua obediência às
prescrições. Bênção e maldição são invocadas sobre eles, o pacto é consignado
por escrito, os vassalos terão de comparecer regularmente perante o seu rei (Dt
16.16-17) e o pacto deve ser lido publicamente em determinadas datas (Dt 31.10-13).
Além da liturgia, portanto, também esse fundo histórico se
refletiria na estrutura do Deuteronômio. Embora não seja improvável ter havido
realmente tal fundo histórico, é muito discutível, por enquanto, até que ponto
pode ser utilizado para a interpretação da ideia da aliança no AT, e do Dt em
particular.
Teologia
Para dar mais força aos seus argumentos, os pregadores
levíticos colocam o povo novamente face a face com Moisés, e isso no momento em
que o povo está para entrar na terra prometida. Isso não é apenas uma figura
literária, mas uma realidade cotidiana. A posse da terra não é um dado fixo,
mas um dom que Javé oferece a cada nova geração e que ela deve conquistar pela
observância fiel das leis de Moisés. A posse da terra é inseparável da
fidelidade a Javé, eis a tese principal do livro. É aqui e agora (“hoje": Dt
5.1; Dt 6.1-6; Dt 8.1-11; Dt 9.3; Dt 10.13; Dt 11.8.26; Dt 26.16-18; Dt 29.9-14;
Dt 30.15-19) que Javé espera a resposta de Israel. O grande perigo era sempre
que Israel aderisse aos deuses de Canaã. É a grande preocupação do Deuteronômio
afastar esse perigo. Daí aquela ênfase no lugar muito especial que Israel, pela
eleição, ocupa entre os povos. A doutrina da eleição chega no Deuteronômio a
uma forma quase clássica (Dt 4.37; Dt 7.8; Dt 9.5; Dt 10.15; Dt 23.6).
Javé cumulou Israel de tão grandes benefícios (Dt 1.31; Dt
2.7; Dt 4.7 Dt 4.33.37; Dt 6.10; Dt 8.7-10; Dt 8.14-16; Dt 10.22; Dt 1.,3-7)
que Ele deve ser o Deus de Israel (Dt 4.15-20; Dt 4.35-39; Dt 6.4; Dt 10.17-19).
Essa eleição significa para o Deuteronômio também que Israel deve separar- se
dos outros povos e que os seus ídolos e santuários devem desaparecer (Dt 4,25; Dt
6.14-19; Dt 7.1-5; Dt 12.2-4; Dt 7.29-31; Dt 18.9-20; Dt 20.16-18; Dt 29.17-24),
separação essa que nas circunstâncias históricas talvez fosse necessária, mas
que não deixa de ser um dos aspectos negativos da teologia do Deuteronômio.
Para assegurar a pureza da religião, o Deuteronômio exigia
também que houvesse um só santuário e que, portanto, todos os outros fossem
destruídos. Essa exigência, que não se encontra nos discursos, é destacada e
acentuada na parte legislativa (Dt 12) e os costumes existentes tinham que ser
reformados de acordo (Dt 12.15-18; Dt 14.22-26; Dt 15.20; Dt 16.1-18; Dt 17.8; Dt
18.6). Não fica bem claro, no Deuteronômio, de que santuário se trata; o certo
é que mais tarde essa legislação foi aplicada a Jerusalém, continuando em vigor
no judaísmo posterior. Se acrescentarmos a isso a grande insistência do Deuteronômio
no caráter absoluto da lei, à qual doravante nada pode ser ajuntado nem tirado
(Dt 4.2), podemos concluir que o Deuteronômio exerceu sobre o judaísmo
pós-exílico uma influência muito grande: pelo santuário único e pela
insistência na lei, inclusive na lei como livro. É com razão, portanto, que o Deuteronômio
já foi chamado “o centro do Primeiro Testamento”.
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