Umberto Eco, 1932-2016 |
(Este texto foi distribuído pelo jornal "New York Times" em 25 de fevereiro de 2016 como a última coluna de Umberto Eco, após a morte do escritor, em 19 de fevereiro de 2015.)
Estou cada vez mais irritado com uma expressão com a qual me deparo em relatos parlamentares, entrevistas, artigos de jornal e afins.
As pessoas dizem que "cometeram um erro" quando, na verdade, o que deveriam dizer é que cometeram um crime. Por exemplo, "eu posso ter cometido erros no passado, mas agora vou me dedicar a trabalho voluntário". Ou "responderei à Justiça caso tenha cometido um erro". Ou um jornalista escreverá que certa pessoa "cometeu um erro", mas deveríamos perdoá-la.
Tenho o péssimo hábito de consultar um dicionário sempre que desejo entender o significado pleno de uma palavra. Um "erro", segundo o Webster's New World College Dictionary, é uma "falha de entendimento, percepção, interpretação" ou "uma ideia, resposta, ato etc. que está errada; (uma) falha".
Tendo por base essa definição, me parece claro que aqueles que "cometem erros" o fazem de modo não intencional. O contador que faz um cálculo errado comete um erro, assim como o chef que coloca acidentalmente um ingrediente errado em um prato favorito ou o médico que erra no diagnóstico de um paciente. Em cada caso, a pessoa tinha a firme intenção de fazer a coisa certa mas não foi bem-sucedida, e todas inicialmente não estavam cientes de seus erros.
Mas, com extrema frequência, atualmente são descritos como tendo "cometido um erro" criminosos e homicidas – pessoas que praticam extorsão e aceitam propina, fazem uso ilícito dos cartões de créditos de outros, aplicam golpes em pessoas vulneráveis e ingênuas, até aquelas que matam suas avós com machados ou jogam ácido na face de sua ex-mulher.
É claro, essas pessoas não cometeram erros simplesmente. Elas fizeram o que sabiam ser contra a lei e a moralidade pública. Elas cometeram um crime, para dizer claramente. Em termos religiosos, elas "pecaram", o que significa que agiram errado de forma intencional, mesmo que aqueles que cruzaram um sinal vermelho cometam uma ofensa venial, e aqueles que matam suas avós cometam uma mortal.
Descrever conhecidos malfeitores como tendo apenas cometido "erros" é um eufemismo despudorado que atenua a responsabilidade deles por suas ações, como se fossem crianças que somaram descuidadamente dois mais dois para chegar a cinco. É criminoso chamar um crime evidente de "erro".
As pessoas dizem que "cometeram um erro" quando, na verdade, o que deveriam dizer é que cometeram um crime. Por exemplo, "eu posso ter cometido erros no passado, mas agora vou me dedicar a trabalho voluntário". Ou "responderei à Justiça caso tenha cometido um erro". Ou um jornalista escreverá que certa pessoa "cometeu um erro", mas deveríamos perdoá-la.
Tenho o péssimo hábito de consultar um dicionário sempre que desejo entender o significado pleno de uma palavra. Um "erro", segundo o Webster's New World College Dictionary, é uma "falha de entendimento, percepção, interpretação" ou "uma ideia, resposta, ato etc. que está errada; (uma) falha".
Tendo por base essa definição, me parece claro que aqueles que "cometem erros" o fazem de modo não intencional. O contador que faz um cálculo errado comete um erro, assim como o chef que coloca acidentalmente um ingrediente errado em um prato favorito ou o médico que erra no diagnóstico de um paciente. Em cada caso, a pessoa tinha a firme intenção de fazer a coisa certa mas não foi bem-sucedida, e todas inicialmente não estavam cientes de seus erros.
Mas, com extrema frequência, atualmente são descritos como tendo "cometido um erro" criminosos e homicidas – pessoas que praticam extorsão e aceitam propina, fazem uso ilícito dos cartões de créditos de outros, aplicam golpes em pessoas vulneráveis e ingênuas, até aquelas que matam suas avós com machados ou jogam ácido na face de sua ex-mulher.
É claro, essas pessoas não cometeram erros simplesmente. Elas fizeram o que sabiam ser contra a lei e a moralidade pública. Elas cometeram um crime, para dizer claramente. Em termos religiosos, elas "pecaram", o que significa que agiram errado de forma intencional, mesmo que aqueles que cruzaram um sinal vermelho cometam uma ofensa venial, e aqueles que matam suas avós cometam uma mortal.
Descrever conhecidos malfeitores como tendo apenas cometido "erros" é um eufemismo despudorado que atenua a responsabilidade deles por suas ações, como se fossem crianças que somaram descuidadamente dois mais dois para chegar a cinco. É criminoso chamar um crime evidente de "erro".
O italiano Umberto Eco, professor de semiótica, crítico literário e romancista, morreu em 19 de fevereiro de 2016
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