O que é SERMÃO DE DESPEDIDA?

Testamento e morte de Moisés, Luca Signorelli
No Primeiro e Segundo Testamentos e mais ainda nos apócrifos judaicos encontram-se muitos exemplos de palavras e sermões de despedida de pessoas ilustres. Depois de lembrar as intervenções de Deus na sua vida e na do seu povo (o tema da aliança), eles dão, geralmente, diretrizes para o tempo depois de seu falecimento (não raramente com predições do futuro), exortam os ouvintes a uma vida exemplar (alegando muitas vezes o seu próprio exemplo), providenciam a sucessão, e despedem-se com uma bênção, oração ou saudação.

Os discursos de despedida pertencem a um gênero literário geralmente bastante livre. Acabamos de lhe descrever o tipo básico, como pode ser deduzido de uma comparação de diversos sermões de despedida (sobre outros temas, mais secundários, como foi praticado também por autores clássicos que conhecemos (Homero, II. 16,85ss: Pátroclos; Platão, Apol. 39C e Phaid. 85B: Sócrates; Heródoto 3,65: Cambises; Xen., Cirop. 8,7: Ciro). Interessante é também uma comparação dos discursos de despedida do 4º evangelho com certas exposições do Corpus Hermeticum.

No Primeiro Testamento há exemplos em Gn 47.29-50 (Jacó); Dt 31e Dt 33 (Moisés); o cântico e a bênção formam um duplo sermão de despedida), Js 23.1-24 e Js 28 (Josué: duplo sermão de despedida); I Sm 12 (Samuel), l Rs 2.1-9 (Davi, cf. também I Cr 28.1-29); também em obras mais recentes, como Tobias e Macabeus. Conforme Eissfeldt esses sermões de despedida do Primeiro Testamento pertencem ao gênero literário dos discursos políticos (I Sm 12), segundo Bentzen,  porém (e, quer nos parecer, com razão), ao gênero da pregação (que está sob influência do gênero profético de oráculos e exortação. Na sua forma mais recente, possivelmente também sob influência da literatura sapiencial).

Os apócrifos judaicos praticaram esse gênero com particular preferência, sobretudo as obras que tratam de novo sobre a matéria do Pentateuco. Literariamente falando se parecem muito com os sermões de despedida do Primeiro Testamento e já preparam também em certo sentido os do Segundo Testamento, pelo menos aqueles em que a pessoa que vai morrer narra a própria vida, tirando daí uma lição para o futuro.

Os exemplos do Segundo Testamento diferem muito entre si. Os sinóticos guardaram palavras de despedida de Jesus antes da sua paixão (Lc 22.21-38). Os Atos 20.17-38 guardaram as de Paulo aos anciãos de Éfeso. I Tm 4.1), II Tm 3.1) e II Pe formam três grandes sermões de despedida, num sentido mais largo, dando instrução parenética na forma de epístolas. O evangelho de João contém o duplo sermão de despedida de Jesus antes de sua paixão (Jo 13-17; o lava-pés forma a introdução e a oração sacerdotal a conclusão), bem como as palavras de despedida de Jesus antes da ascensão, aos apóstolos reunidos (Jo 20.19-23) e a Pedro (Jo 21.15-23). Quanto ao seu conteúdo, os sermões de despedida do Segundo Testamento diferem consideravelmente dos exemplos do Primeiro Testamento e do judaísmo posterior. Se há semelhança no esquema literário e nos temas elaborados, isso é antes uma consequência da situação análoga do que de uma dependência literária direta. Entre si os sermões de despedida do Segundo Testamento diferem ainda, inegavelmente, pela sua extensão (l e II Timóteo comparados com Mt 28.18-20), pela situação concreta da sua origem (l e II Timóteo comparadas com II Pedro ou com Jo 13-17), pela pessoa que fala (Jesus ou os apóstolos), etc.

Na sua parte retrospectiva os sermões de despedida do Segundo Testamento não se referem mais como os do Primeiro à aliança de Deus com Israel, mas ao sentido da vida daqueles que vão morrer, para os seus, e às lições que daí devem tirar; o elemento profético tem na maior parte deles um papel importante (predição de renegação e traição, da missão do Espírito Santo, de perseguições e heresias que hão de infestar a comunidade). Onde os sermões de despedida do Segundo Testamento falam sobre o futuro (em textos, às vezes, de matizes escatológicos) o seu estilo apocalíptico lembra o de alguns sermões de d. apócrifos, sem, no entanto, tratar primeiro do passado sob a forma de visões do futuro (como faziam os apócrifos). No caso dos apóstolos o sermão de despedida frisa sobretudo os perigos de fora (perseguição: At 20.29; Jo 15) e mais ainda os de dentro (heresias e apostasias: At 20; I Tm; II Tm; II Pe) que, depois da morte do apóstolo, haviam de ameaçar a jovem comunidade. Nos sermões de despedida do evangelho de João (sobretudo Jo 13-17: a oração sacerdotal) em que esse gênero apocalíptico é muito menos representado.

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