Lucidez

Jesus tentado no deserto, Kelley McMorris
Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e foi levado pelo Espírito ao deserto. Ali ele foi tentado pelo Diabo durante quarenta dias. Nesse tempo todo ele não comeu nada e depois sentiu fome. Lucas 4.1-13

Texto do padre José Antonio Pagola.

Segundo os evangelhos, as tentações experimentadas por Jesus não são propriamente de ordem moral. São colocações nas quais lhe são propostas maneiras falsas de entender e viver sua missão. Por isso, sua reação nos serve de modelo para nosso comportamento moral, porém, sobretudo, nos alerta para não nos desviarmos da missão que Jesus confiou aos seus seguidores.

Antes de mais nada, suas tentações nos ajudam a identificar com mais lucidez e responsabilidade aquelas que sua Igreja pode experimentar hoje e aqueles que as constituem. Como seremos uma Igreja fiel a Jesus se não somos conscientes das tentações mais perigosas que podem nos desviar hoje de seu projeto e estilo de vida?

Na primeira tentação, Jesus renuncia a utilizar Deus para «converter» as pedras em pães e saciar, desse modo, a sua fome. Não seguirá esse caminho. Não viverá buscando o seu próprio interesse. Não utilizará o Pai de maneira egoísta. Alimentar-se-á da Palavra viva de Deus. Somente «multiplicará» os pães para alimentar a fome do povo.

Esta é, provavelmente, a tentação mais grave dos cristãos dos países ricos, mas também os abastados dos países mais pobres: utilizar a religião para completar nosso bem-estar material, tranquilizar nossas consciências e esvaziar o cristianismo de compaixão, vivendo surdos à voz de Deus que continua gritando-nos: onde estão vossos irmãos?

Na segunda tentação, Jesus renuncia a obter «poder e glória» sob a condição de submeter-se, como todos os poderosos, aos abusos, mentiras e injustiças sobre os quais se apoia o poder inspirado pelo «diabo». O reino de Deus não se impõe, mas se oferece com amor. Somente adorará ao Deus dos pobres, fracos e indefesos.

Nestes tempos de perda de poder social, é tentador para a Igreja tentar recuperar o «poder e glória» de outros tempos, pretendendo, inclusive, um poder absoluto sobre a sociedade. Estamos perdendo uma oportunidade histórica para entrar por um caminho novo de serviço humilde e de acompanhamento fraterno ao homem e à mulher de hoje, tão necessitados de amor e de esperança.

Na terceira tentação, Jesus renuncia a cumprir sua missão recorrendo ao sucesso fácil e à ostentação. Não será um messias triunfalista. Jamais colocará Deus a serviço de sua vanglória. Estará entre os seus como aquele que serve.

Sempre será tentador, para alguns, utilizar o espaço religioso para buscar reputação, fama e prestígio. Poucas coisas são mais ridículas no seguimento de Jesus que a ostentação e a busca de honras. Provocam danos à Igreja e a esvaziam de verdade. (continua)


José Antônio Pagola é um sacerdote católico, nascido em 1937, em Añorga. Estudou Teologia e Ciências Bíblicas na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, no Instituto Bíblico Romano e na École Biblique de Jerusalém.

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