Escolha e livre-arbítrio

Livre-arbítrio, Victor Lages
Já faz tempo que me cansei de tentar defender o livre arbítrio, que é um elemento preponderante na doutrina arminiana, contra a doutrina da pré-seleção incondicional do calvinismo. Na verdade, não me cansei não, já superei esta fase do meu discipulado. Hoje frequento cultos em Igrejas Presbiterianas com a mesma liberdade que se estivesse em um reduto metodista clássico. Por que os modelos de cultos metodistas atuais são deveras “infrequentáveis”, se é que existe esse termo.

O problema é que li recentemente duas afirmações de extremistas da predestinação que me incomodaram bastante. Uma delas chega a ser engraçada e diz o seguinte: Romanos 9 é a “criptonita” dos defensores do livre-arbítrio. Primeiramente alguém precisa avisar a este senhor que o metal oriundo do planeta Krypton é escrito com k e y. Mas isso não diminui a ênfase que é dada ao texto por meio da mini-parábola contada por Paulo que fala do vaso e do oleiro (Rm 9.20-24). O texto enfaticamente sugere que Deus pode fazer o que quer. E o texto está certo, assim como a sua interpretação. Não há uma viva alma que conteste Paulo nesta sua declaração. Claro que pode, no entanto, a própria Bíblia é a declaração mais inequívoca de que ele não age por impulsos momentâneos ou por meros casuísmos.

O hebraico possui duas palavras que foram igualmente traduzidas para português por arrependimento: LÊNAHÊM e LASHÚV. O verbo que deriva do radical LÊNAHÊM é geralmente utilizado quando o texto se refere à ação de Deus, e está diretamente relacionado à palavra grega METÁNOIA, que por sua vez significa mudança de pensamento ou de mente. No seu original quer dizer que a situação pesou no coração de Deus, e o LÊNAHÊM fez com que ele se inclinasse favoravelmente à causa humana, abdicando assim dos seus direitos que constavam na aliança previamente firmada. Ou seja, Deus pode, mas não se permitiu poder nada que contrariasse os seus critérios de amor, verdade e justiça. E é exatamente assim que Paulo termina o que os exterminadores do livre-arbítrio têm como arma principal de extinção (Rm 9.30-32).

Mas o texto também fala que Deus endureceu o coração de Faraó (Rm 9.17), para que este não deixasse os hebreus irem ao deserto. Muito embora a palavra endurecer tenha um outro significado na Bíblia, a questão aqui não se trata de uma luta entre Moisés e Faraó, como muitos são induzidos a pensar. Faz parecer que Deus tem em Moisés um agente meio secreto que foi escolhido por ser hábil em artes-marciais e persuasão, e que Faraó era apenas um cabeça dura que não queria enxergar o óbvio. Não é nada disso. Moisés nunca passou de um velho gago e o rei do Egito era apenas mais uma caricatura do poder terreno. A luta que se travava ali era de uma repercussão muito maior. Era a luta do Deus libertador contra os deuses opressores do Egito. Tinha que ficar patente para os hebreus e para o mundo que a libertação do povo se deu porque todos os deuses do Egito foram sumariamente derrotados. O deus Nilo, o deus touro, o deus Terra e outros, não somente foram humilhados, mas afligidos nas suas supostas potencialidades.

A super-potência se viu totalmente impotente diante de um poder tão avassalador que nem a soma de todos os seus deuses podia sequer imaginar existir. É esse o poder de Deus contra todas as formas de pecado, aniquilar o mal na sua essência e não no produto final, que aqui neste caso é o pecador. A vitória de Deus não se expressa na condenação do pecador. Seu triunfo maior é quando esse pecador se vê totalmente vencido em suas convicções e se volta de corpo e alma, porém consciente e de livre e espontânea vontade, aos braços do seu Criador.


Romanos 9 só vem corroborar com a ideia de que o homem é totalmente incapaz de prover a sua própria salvação; que a salvação está à sua disposição; que ela é uma prova de amor, mas de um amor que precisa ser recíproco, ou então não é amor. (continua)

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