Primeiros e últimos II

Vista de Notre Dame, Pablo Picasso
Estes homens que foram contratados por último trabalharam somente uma hora, mas nós aguentamos o dia todo debaixo deste sol quente. No entanto, o pagamento deles foi igual ao nosso! Leia Mateus 20 1-16.

Em outras palavras, suas queixas não eram porque eles tinham sido lesados, mas porque os outros receberam mais do que o merecido. Notem que a questão não era o salário, sobre isso havia um acordo prévio que estava sendo cumprido. A questão era a generosidade do patrão, ou, como Jesus quis deixar claro, a generosidade de seu Pai.

Aí o dono disse a um deles: “Escute, amigo! Eu não fui injusto com você. Você não concordou em trabalhar o dia todo por uma moeda de prata? E estava certo, pagou o combinado. Imagino que alguns devem ter jogado suas moedas no chão, dizendo: se o senhor não pode me pagar o que mereço, eu não quero nada. Imagino também que o patrão tenha pegado as moedas do chão e devolvido a eles, dizendo: Pegue o seu pagamento e vá embora. Pois eu quero dar a este homem, que foi contratado por último, o mesmo que dei a você. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com o meu próprio dinheiro? E ele termina dizendo: Assim, aqueles que são os primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros.

Como podemos entender isso? Está totalmente fora da nossa razão. Como podemos entender um patrão maluco que paga doze vezes o que deveria pagar? Qual é o segredo que Jesus está querendo revelar?

Precisamos nos lembrar que cada parábola tem apenas um ponto focal, e que para desvendá-la existe apenas uma chave para a única porta de entrada. Então qual é a chave que abre a porta desta parábola? Primeiramente precisamos reconhecer que todo trabalho é feito em uma vinha e essa vinha é o Reino de Deus. Portanto, o trabalho é o serviço em favor desse Reino, por isso não pode ser visto em termos de merecimento, de mais valia ou visando algum ganho. Podemos compreender essa parábola unicamente quando nela vemos Jesus atacando de forma drástica o moralismo e colocando em xeque a religião de boas obras. Jesus está desconstruindo aqui a nossa pretensão de imaginarmos que somos amados por Deus por sermos uteis, prestativos, por sermos os únicos aptos para o seu Reino. Com esta parábola ele anula por completo a premissa de que por sermos justos e retos merecemos o amor de Deus.

Notem a predisposição da parábola em anular por completo o nosso senso de moral e de justiça, ainda que estejamos dentro do nosso direito e com toda a razão ao nosso lado. É justamente esse senso moral que está nos oprimindo até hoje, mesmo depois desses dois mil anos de fé cristã. Essa é justiça que está nos distanciando cada vez mais do seu Reino. Essa é a razão que nos faz muito religiosos e pouco crédulos. Ele contou essa parábola com a finalidade precípua de nos libertar de todo ranço legal, moral e religioso.

É justamente aqui que encontramos a diferença entre o evangelho de Jesus Cristo e todas as religiões do mundo. Está aqui a diferença. É aqui que aquele que decide, percebendo a nossa rebeldia, nos faz a pergunta crítica: ou você está com inveja porque fui bom para com eles? Você que é rato de igreja, que dá o dízimo, que frequenta os cultos de louvor, que canta no coral, e que por tudo isso se acha melhor que todo mundo, depois de ouvir essa parábola você ainda imagina que merece o meu amor mais do que qualquer outro?

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