Escuridão eterna, John Dobbie |
A primeira delas, e a mais evidente, seria a dificuldade de não
dispor de um grupo com o qual me reunisse semanalmente para me conscientizar da
necessidade de se levar uma semana de desafios, renúncias e realizações. Os
católicos costumam pregar na fachada de suas igrejas o seguinte slogan: domingo sem missa, semana sem graça. É exatamente isso que
acontece, não tanto pelo fato de nos sentirmos abandonados pela graça de Deus,
porque isso não acontece, posto que ela é incondicional. Mas por não entrarmos
a semana sintonizados plenamente nela, porque é a graça manifesta nos atos do
culto que expõe o meu pecado e me incita a buscar o perdão e me possibilita um
novo recomeço.
Sei bem que já faz tempo que isso acontecia somente na
igreja. Há pouco tempo, o confronto da graça com o pecado, ou seja, tomar
conhecimento de que o pecado está aumentando, como dizia Paulo em Rm 5. Era
preciso ouvir sermões. Hoje, os nossos televisores mostram isso ao vivo, em
todos os cantos do mundo e em alta definição de imagem. Mas ainda que seja
assim, vai ficar faltando o desafio que nos constrange às mudanças necessárias,
e que permitem que a graça aja livremente para vencer o pecado.
A segunda perda, pelo menos para mim a mais penosa delas, é
não ter a oportunidade de ouvir uma meditação racional e fiel à Palavra de
Deus. É não me deparar com argumentos extraídos dessa palavra, argumentos tais que
eu sequer imaginaria que pudessem ser concebidos ou mesmo existir. Como me faz
bem essa dissecação da Bíblia tirando dela algo mais do que a mera letra. É uma
sensação tão indescritível, que até hoje ninguém disse isso de forma tão bela e
de modo tão apropriado quanto o profeta Isaías: Is 54.7 - Que formosos são sobre os montes os pés do que anuncia as boas-novas,
que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz
a Sião: O teu Deus reina!
Não poderia deixar de falar dos hinos, da mensagem musicada
que tanto fala ao meu coração. É uma verdadeira lástima que alguns hinos venham
perdendo espaço nos nossos cultos, e sendo substituídos por mensagens
imediatistas sem rima, sem métrica e sem conteúdo teológico. Felizmente para
mim, as duas últimas igrejas que frequentei regularmente preservam este costume
e primam pela excelência musical em seus cultos. Não pensem que faço esta observação
por puro saudosismo. Mil vezes não! Tenho como calçá-lo com um argumento seguro,
pois ainda não consegui encontrá-lo nessa nova hinologia. São as identificadas
em outras palavras desse mesmo profeta: Is 55.12 - Saireis com alegria e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros
romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas.
Não é bem pela falta das palmas, mas as palmas que são oriundas do improvável e
do inusitado que me fazem faltas.
Por fim, o motivo real desta meditação: eu não sei como
seria a minha vida na perspectiva da escuridão eterna, sem uma esperança no futuro ou mesmo no pós-morte. Seria
viver toda a angústia descrita pelo salmista no nosso texto base: Ainda que esteja contente com a sua vida e
seja elogiado por ter sucesso, ele, quando morrer, vai reunir-se com os seus
antepassados no lugar onde a escuridão dura para sempre. Como seria
complicado viver o “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”. Como seria difícil
a trajetória de uma vida inteira distante da certeza de que do outro lado tem
um Pai de amor, de braços abertos e pronto para me receber de volta.
É fato que eu venho denunciando continuamente os erros
cometidos por nós, os cristãos. Tenho me indignado profundamente com os desvios
da doutrina e contra a inserção de certos costumes pagãos em nosso meio. Mas
sou obrigado a considerar que até mesmo a mais herege das igrejas ainda
proporciona mais luz e mais esperança do que todos os lugares onde a graça de
Deus não campeia livremente.
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