Não sou desse mundo

Mudança de mente, Bein Heine
Jesus continuou: Vocês são daqui debaixo, e eu sou lá de cima. Vocês são deste mundo, mas eu não sou deste mundo. João 8.23

Por mais de uma vez Jesus fez essa declaração bombástica, e em uma delas, mesmo correndo sério risco de morte, sustentou-a diante da maior autoridade política local, quando desafiou Pilatos, dizendo: meu Reino não é desse mundo. Porém, o que para nós hoje, igreja do século XXI, significa não ser desse mundo, e que nos torna diferentes dos demais humanos, que, como nós, são habitantes desse mesmo mundo?

Se repararmos todo o contexto vamos verificar que o que Jesus faz é acentuar o contraste entre luz e escuridão; entre verdade e mentira; entre vida e morte; entre os que são daqui debaixo e os que são lá de cima; entre os que são desse mundo e os que não são desse mundo. E o único argumento que apresenta como parâmetro para fundamentar essa divisão é ainda mais perturbador. Argumento esse John Wesley nas suas Notas Explanatórias do Novo Testamento interpretou da seguinte forma: Aqui ele mostra diretamente de onde vinha, do céu, e para onde ele vai, ou seja, ele veio de cima e para cima irá voltar. Já uma rápida olhada na interpretação de João Calvino vai nos dizer: De acordo com essas palavras, o mundo daqui debaixo inclui tudo o que os homens possuem naturalmente, e, assim, aponta a divergência que existe entre o seu Evangelho e as engenhosas maquinações da sagacidade da mente humana; para o Evangelho o que vale é a sabedoria celeste, contudo, a nossa mente insiste em ser subserviente à sabedoria do mundo.

Mesmo parecendo que ambos não elucidaram muita coisa além do que costumeiramente intuímos, uma coisa eu tenho que respeitar: quando dois teólogos reconhecidamente divergentes apontam o mesmo caminho, é porque o assunto tratado é mais sério do que se pode esperar. Então, que atributos a vida cristã necessita para justificar e acentuar essa diferença?

Há algum tempo atrás, os evangélicos tradicionais se diferenciavam do católicos romanos por uma série de prescrições negativas: não fumar, não beber, não jogar, não brincar carnaval, e até algumas delas eram bem estapafúrdias, como não tomar sorvete aos domingos. Esses eram os parâmetros a serem seguidos por quem não queria ser identificado com o mundo. Mas parece que isso causou apenas uma subdivisão entre os que iriam morar no céu católico e os que habitariam o céu protestante, e sabemos bem que não era exatamente desses céus que Jesus estava falando. 

Trazendo a questão para os dias de hoje, veremos que as subdivisões se multiplicaram exponencialmente. Hoje em dia, mesmo dentro do Vaticano, que é o centro do pensamento do catolicismo romano, podem ser encontradas divisões estanques, que questionam a autoridade e até destituem papas. Nem precisaremos citar a miscelânea de tendências e denominações em que as igrejas evangélicas se sub-subdividiram. Então, como iremos encontrar o caminho para cima neste enorme cardápio de opções? 

Sem qualquer pretensão de ser conclusivo onde grandes doutores, como Calvino e Wesley, foram reticentes, eu diria que de antemão precisaríamos voltar ao contexto e meditar profundamente no que Jesus disse, e para quem disse o que disse. Precisaríamos saber, antes de mais nada, quem são os “vocês” e quem são os “nós” aí neste contexto. Precisaríamos também tentar enxergar quando estamos de um lado, ou quando engrossamos as fileiras outro. Mas talvez o mais importante atributo daquele que é de cima seja a determinação de fazer o que Jesus fez, sem qualquer mudança ou variação: eu digo ao mundo somente o que Deus me disse.

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