Voz do deserto

João Batista, Michael D. O'Brien
O segundo domingo do Advento é marcado pela relevância do ministério de João Batista, que segundo as profecias seria aquele que viria para endireitar os caminhos para a chegada do Messias prometido, o Senhor dos Céus e da Terra. Porém a visão que temos de Jesus como Messias parece prescindir desta preparação, pois, na nossa conta, é Jesus quem resolve todos os problemas.

Penso que se tivermos que copiar alguma coisa do Judaísmo antigo, não seriam os seus símbolos e menos ainda os seus rituais, mas os conceitos que eles elaboraram sobre certos aspectos da fé nas promessas de Deus, e o messianismo talvez seja o mais importante deles. Nenhum povo teve na sua história uma quantidade de Messias maior que os judeus, por isso é que em matéria de messianismo eles são catedráticos. Então, se eles dizem que há necessidade de preparação para a chegada do Messias é porque ela é tão relevante quanto foi o ministério de João Batista para o início do ministério de Jesus.

Antes de prosseguirmos devemos nos conscientizar de que os judeus consideravam qualquer pessoa que viesse intervir positivamente na história do seu povo, quando este passava por momentos de aflição, como um enviado de Deus, portanto, um Messias. Nomes como Nabucodosor e Ciro figuram nesta lista, pois, no Judaísmo, Messias é um título dado exclusivamente a humanos.

Mas temos que admitir que ainda prevalece a pergunta: por que uma voz vinda de um lugar inóspito, como o deserto, poderia lançar luzes à nossa caminhada na fé, e particularmente na sua alavancada inicial?

O deserto tem um significado fundamental na história da salvação, pois foi vagando quarenta anos por ele que os hebreus se livraram das concepções do paganismo do Egito, onde as visões exuberantes ditavam o tom de todos os segmentos da vida, através de palácios e monumentos que impressionam ainda hoje. Eles mantinham aberta também uma janela para o mundo dos mortos através das suas mumificações e suntuosos sepulcros. Este povo que estava profundamente influenciado pela ilusão do ver, tinha que passar um bom tempo em um lugar onde não se tem nada para ver, e onde a fé se fundamenta nas coisas que não se vê, para entrar na Terra Prometida com a consciência aberta para uma fé totalmente revolucionária e de um ineditismo nunca antes conhecido. E é justamente nesta linha que João fundamentou o seu ministério, cujo jargão continua válido até hoje: arrependei-vos e crede no evangelho.

O segundo domingo do Advento quer nos anunciar a necessidade constante desta mudança radical. A Bíblia conhece bem a tendência dos humanos em acreditar no imediatismo, e a de pautar as suas convicções nos elementos que lhes parecem mais sólidos à primeira vista. Por isso é que ela nos desafia a ouvirmos a voz do deserto.

Muito mais oportuno ainda para nós hoje é o que Jesus fala sobre a voz do deserto: Que saístes a ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Sim, que saístes a ver? Um homem vestido de roupas finas? Ora, os que vestem roupas finas assistem nos palácios reais. Mas para que saístes? Para ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta.

Para mim este é o não definitivo para as nossas tentativas de voltar ao Egito construindo suntuosos monumentos para chamá-los de Casa do Senhor. Mas isso só será plenamente possível quando ouvirmos apenas a voz dos profetas do deserto e deixarmos de acreditar naqueles que vestidos de roupas finíssimas nos incutem a tentação de o melhor seria trazermos de volta o tempo em que a fé se fundamentava nas coisas visíveis e grandiosas.

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