De bons cristãos o mundo está cheio

De preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel; e, à medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça dai. Mateus 10.6-8
Camelo e agulha, Bertram Poole
Se fôssemos estabelecer as ordenanças de Jesus nos evangelhos, pelo apregoa a maioria dos cristãos, ficaríamos reduzidos a apenas esta: ide por todo o mundo e pregai o evangelho. Parece que Jesus, nos seus três anos de ministério profícuo, não teve outra preocupação senão com a propagação da sua mensagem falada, e que os evangelhos se resumem a uma dúzia e meia de parábolas de cunho moral.

Viver uma vida digna, honesta e frequentar regularmente uma igreja seria tudo o que basta para se conseguir o currículo de bom cristão, e para ser sincero eu até penso que é isso mesmo. É tudo o que procuramos ser: bons cristãos. Já faz tempo que um pastor me pede para fazer a biografia dos meus avós para publicá-la em uma coluna de um jornal que homenageia justamente os bons cristãos. Procuramos ser bons cristãos para, que sabe um dia, figurarmos nessa coluna. Porém, eu sempre me recusei a fazê-lo porque José Barga e Sara, meus avós, desde o primeiro dia no evangelho nunca se encaixaram nos critérios de bons cristãos acima mencionados. Pelo tanto que fizeram, eles somente poderiam figurar na categoria dos excepcionalmente cristãos, e nunca na dos bons. E lendo o texto acima, me parece que é este o nível que Jesus exige daqueles que se dispõem a segui-lo mais de perto. Por conta disso vamos analisar mais profundamente as exigências de Jesus. 

Em primeiro lugar, buscar as ovelhas perdidas da casa de Israel. O que é isso senão lavar primeiro a nossa roupa suja? Buscar aqueles que estão perdidos porque não se encaixaram nos moldes de bons cristãos que nos mesmos estabelecemos. Buscar aquele a quem eu não mostrei amor suficiente para amá-lo quando ele mais precisava ser amado. Aceitá-lo da mesma forma incondicional com que um dia eu fui aceito pela graça. Essa atitude vai quebrar os paradigmas de todos que buscam nos evangélicos motivos para questionar o evangelho.

Em segundo lugar, sim, anunciar o Reino que está próximo, a despeito das circunstâncias todas negarem teremptoriamente. Não é falar pelos cotovelos, e sim pregar silenciosamente a esperança, quando nós mesmos nos vemos na desesperança. Basta apenas que nos lembremos de como esse evangelho chegou até nós. Não foi a por meio de gerações de bons cristãos, mas por intermédio daqueles que arriscaram tudo: segurança, saúde, família e própria vida. Não foi sempre uma trajetória feliz e plácida, como a que estamos vivendo atualmente.

Por último, a mais intrincada ordenança de Jesus: expelir demônios, curar enfermos e ressuscitar mortos. A nossa história de quase dois mil anos nos credencia a ver esta ordem sob um determinado ponto de vista que não o literal. Em momento algum, a igreja teve sobre si este poder, pelo menos da forma que interpretamos à primeira vista. Nunca houve um cristão que saísse pelo mundo ressuscitando os mortos que encontrasse pelo caminho. Neste sentido, até mesmo Jesus teve limitações, pois as narrativas deste tipo de ressurreição se reduziram a três: Lázaro, a filha de Jairo e filho da viúva de Naim. Nem Jesus ressuscitou todos os mortos do seu tempo. Então, no que consiste de fato esse poder de cura?

Sempre pensamos na cura como a restauração plena da saúde e não como um amadurecimento que conduz à perfeição. Essa nossa visão de cura está intrinsecamente ligada ao nosso conceito de bom cristão e dos benefícios que imaginamos que evangelho deveria obrigatoriamente nos proporcionar.  A nossa tão adorada doutrina da retribuição não tem relação alguma com o que está escrito no nosso texto bíblico de hoje, e ela é com toda justiça devidamente rechaçada pelo seu final: de graça recebeste, de graça daí.

Recebeste amor, mesmo quando não merecias. Foste aceito, quando a tua rejeição estava além do limiar crítico. Foste resgatado do mais profundo tremedal de lama. Na linguagem do pai do filho pródigo: estavas morto e reviveste. Isso é tudo o quanto foi exigido daquelas primeiras pessoas que ousaram repercutir o ministério de Jesus além da sua mensagem falada. Isso tem sido eficaz para expelir todos os demônios que se opuseram a fé cristã, curar os enfermos dos males que eles só enxergavam nos outros, e ressuscitar os que estavam mortos na arrogância de querer ser apenas e tão somente um bom cristão.

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