Um intruso na cena |
Mesmo com toda boa intenção subliminar, o Natal tem servido,
há décadas, para subornar as crianças a terem um bom comportamento. Papai Noel
passou a ser uma espécie de vigilante que, de plantão vinte e quatro horas,
observa cada movimento e cada sentimento dos nossos filhos durante todo o ano,
para no final deste decidir o tipo de presente que cada um pode almejar ganhar no
Natal.
Como o povo americano já há muito optou pela superespecilalização,
lá foi criado o Elfo de Prateleira. O ajudante do Papai Noel que faz esse
serviço em seu lugar. O que tornou essa nefasta vigilância uma ameaça real, não
somente constante, mas principalmente presente. Mas não é sobre elfos, duendes,
Papai Noel ou outras criaturas do folclore importado que gostaria de tratar
nessa reflexão, e sim sobre o modo de educação coercitiva em países cujo
Cristianismo predomina como religião.
Sabemos, como pais, que não há e nem pode haver figuras mais
influentes na concepção que as crianças venham a fazer de Deus do que a figura
dos seus próprios pais. Sabemos, como cristãos, que somente Deus detém o poder
de perscrutar o que se esconde no íntimo dos nossos corações, e conhecer de
antemão o que está por trás das nossas ações. Mas as crianças não sabem essas
coisas, e para elas, o olho que as vigia na infância, vai persegui-las durante
boa parte da sua adolescência e juventude. Incutindo-lhes um sentimento de
culpa que resistirá até mesmo à extinção do símbolo e ao sonho do belo
presente.
Laura Pinto, professora da tecnologia digital na
Universidade de Ontário publicou recentemente um artigo que rotula o Elfo da Prateleira
"um fenômeno cultural preocupante" e diz que condiciona as crianças a
aceitar a vida em um "estado de vigilância." Diz ela: O Elfo na prateleira é uma forma externa
sobre a vigilância não-familiar, o
que configura para a criança uma perigosa aceitação acrítica das estruturas de
poder. A professora Pinto continua: Se
você crescer pensando que é legal para os elfos para me assistirem e reportarem de
volta para Papai Noel, bem, então seria legal para a NSA para me assistir e
apresentar um relatório ao governo.
Não sei muito dessa pessoa, mas vejo que é mais uma pedra
clamando em nosso lugar, pois não existe para um pai cristão, que transfere
para um símbolo de uma ficção que se deteriora em pouquíssimo tempo, a possibilidade
de moldar na cabeça de seu filho ou sua filha a concepção de um Deus de amor indescritível
e perdão incondicional. E o pior é que as crianças vão perceber nesse pouco
tempo que Papai Noel e elfos não somente não existem, mas que são figuras
enganosas, que foram criadas para persuadi-las a fazer o que os adultos querem
que elas façam, desconsiderando completamente o seu livre arbítrio e a sua
própria vontade. Daí, à negação da existência de Deus, é um pulo. Daí, que a revelação
de um Deus que se fez homem no Natal, se esvazia completamente de sentido.
O Natal veio para nos ensinar a todos, adultos e crianças,
que fazer o bem já é o próprio presente, e o que se pode esperar pelo bem que
fazemos é a satisfação de fazermos parte de um bem maior, que em um futuro
breve haverá de se anunciar como inescapável. Tentemos desesperadamente colocar
no lugar da vigilância de elfos e Papais Noel um Deus que está, sim, sempre de
olho. Mas não para nos castigar, e sim para nos perdoar e nos querer de volta,
ao menor sinal da nossa vontade.
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