Todos querem ser Esmirna

As sete igrejas, tapeçaria do Século XIV
Em um rápido relato, João, o do Apocalipse, descreve com incrível capacidade de síntese a situação em que se encontravam as igrejas da Ásia Menor por volta do ano 100 de nossa era, por ocasião da perseguição imposta pelo imperador Trajano. Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Laodiceia e Filadelfia são as cidades sedes das igrejas pastoreadas por João, que mesmo preso na ilha de Patmos, não descuidou de uma sequer.

Em seu relato, este pastor não parece ter uma igreja preferida ou outra que pudesse ser descartada. A sua mensagem tem um tom de encorajamento, que é sempre seguido de uma advertência de perigos que rondam a igreja, que, na maioria das vezes não vem de fora, das forças imperiais romanas, e sim de dentro da própria comunidade religiosa. Pode ser que a distância que delas era forçado a manter, fazia com que enxergasse os problemas de maneira mais abrangente do que se ele estivesse comprometido com os problemas do dia-a-dia dessas igrejas. Este é de fato o ponto de vista ideal para que o profeta enxergue com precisão o contexto seu povo está vivendo e alternativas viáveis para a sua melhor condução.

Mas hoje em dia parece que nós não temos atentado muito para este importante detalhe, e não somente declaramos descaradamente a nossa preferência por uma igreja, como também nos preocupamos apenas com os problemas que envolvem essa nossa igreja predileta, sem levarmos em conta o contexto em que o evangelho, na sua totalidade, está inserido no nosso bairro, na nossa cidade e no nosso país.

Não conheço uma denominação cristã sequer que tenha dado a qualquer uma de suas paróquias o nome de Pérgamo, mas o nome de Filadelfia sei que não existe, e que não são poucas. Sei que muitos membros de igreja têm a igreja de Esmirna como o padrão de excelência, visto que não aceitam se submeter às admoestações dirigidas por João às demais igrejas. Ninguém gostaria de ser chamado de infeliz, miserável, pobre, cego e nu pelo seu pastor. Muito menos admitiríamos ter uma Jezabel entranhada em nosso meio, ou que estamos seriamente influenciados pela proximidade que temos com o trono de Satanás.

Mas seria possível que a nossa realidade hoje, excetuando, é claro, a cruel perseguição romana, fosse assim tão diferente da realidade caótica que João detectou em seis das suas sete igrejas? Por outro lado, se houvesse uma preferência declarada de João por uma determinada igreja pela sua conduta, por que ele não a colocou em destaque ou a citou como exemplo, mas junto com as igrejas que mereceram reprovação? Convém notar que o tom das suas advertências é o mesmo, tanto para as igrejas flagradas em delitos graves, quanto para aquelas que simplesmente deixaram de cumprir regras simples da doutrina ensinada pelos apóstolos.

Ficam para nós as seguintes perguntas: Quem de nós não abandonou o fervor do primeiro amor que tivemos quando fomos avassaladoramente alcançados pela graça? Quem de nós nunca sentiu na mesmice de uma vida sem sentido e sem calor? Qual é o cristão que nunca se deixou contaminar por doutrinas e prática estranhas à fé?

Através da pregação do vidente do Apocalipse, eu posso ver muito bem que não é elegendo um grupo pelas características que nos atraem, que vai nos fazer melhores pessoas e acrescentar virtude ao Reino de Deus. Vejo também que não é desistindo de vez dos grupos que não nos agradam, ou que simplesmente não andam conosco que melhoraremos o conceito de Deus sobre as nossas igrejas e sobre a nossa vida pessoal.

No final de seu sermão que foi escrito para ser lido em todas as igrejas que se dizem cristãs, João fala do seu sentimento mais profundo do que simplesmente expor as mazelas internas de uma comunidade. Ele coloca o amor como foco principal, quando diz: Eu repreendo e disciplino a quantos amo.

Nenhum comentário:

ads 728x90 B
Tecnologia do Blogger.