Haja a ciência

Haja luz, Gustave Dore
Texto do rev. Paulo Schütz.
No primeiro dia, Deus disse haja luz, e houve luz; no segundo, haja firmamento, e houve firmamento; no terceiro, ajuntem-se as águas debaixo do céu num só lugar, e assim se fez; no quarto, haja luzeiros no firmamento dos céus, e assim se fez; no quinto, povoem-se as águas de enxames de seres vivente; e voem as aves sobre a terra, e foi o que aconteceu; no sexto, produza a terra seres viventes, e assim se fez.
Ainda no sexto dia, também disse façamos o homem. Façamos?! Quem façamos? Deus não estava só? Muita especulação já se fez e certamente se fará sobre o sujeito plural desse verbo. Muitos não veem mais que um recurso literário. Outros afirmam que o criador se dirigia às demais pessoas da trindade. Mas podemos igualmente imaginar que estivesse na companhia dos personagens que povoarão os relatos bíblicos e cujo surgimento não consta deste relato da criação, como anjos e espíritos bons e maus, demônios, filhos de Deus e muitos outros, aos quais pouco tempo depois se juntaria o primeiro fantasma, de Abel, que viria a ser seguido por muitos outros e hoje já são incontáveis. Os não cristãos acrescentariam ainda outros deuses, heróis, semideuses, musas, orixás e mais.
Muitos séculos depois, o homem disse haja a ciência, e houve a ciência. E, como Deus fizera com relação a tudo que criara, também o homem viu que a ciência era boa. Ela poderia descobrir todas as leis que regem o funcionamento das coisas criadas, poderia controlá-las e até manipulá-las, no bom e no mau sentido. Mas havia um problema, estaria definitivamente fora de seu controle os feitos protagonizados pelos seres que teriam testemunhado a criação, inclusive as intensas intervenções que nela executam continuamente. Eles foram então declarados inexistentes, irreais. E, como os estudiosos costumavam chamar de mitos os relatos sobre esses fatos, o termo passou a ser tratado como sinônimo de mentira.
O fato é que, sem eles, nem mesmo ciência existiria. Pois é historicamente incontestável que  ela resultou do dinamismo por eles desencadeado nos homens e entre os homens, aguçando seus temores e desejos, sua curiosidade, imaginação e inventividade, durante milênios. É a filha mais nova de uma senhora rica em existência.
É fato também que, embora mal descritos e mal contados, por conta das grandes limitações da mente e linguagem humanas, eles continuam atuando poderosamente entre os mortais, se é que não passamos de simples mortais. Poderia existir maior falta de autoestima, ou de coragem, do que desejar se convencer de que não é real o que ultrapassa os fenômenos físicos que podem ser afetados por nossos sentidos biológicos, simplesmente porque não os podemos compreender e controlar?
O processo de comprovação de uma hipótese pela ciência é tão demorado e complicado, e as que são suscetíveis de comprovação são tão poucas que, se fôssemos basear nelas as infinitas decisões que tomamos diariamente, ficaríamos paralisados. Inclusive aqueles que confessam não acreditar nas verdades transcendentais as negam com a boca, com palavras, mas as alardeiam com suas atitudes, seus receios, seus planos, com os valores e princípios que defendem e praticam.
O conhecimento científico costuma ficar registrado em tábuas, papiro, papel e outras mídia, sendo expresso na forma de discursos, tratados, fórmulas e gráficos. É para os poucos que o dominam e controlam. Pode ser também usado para oprimir. O conhecimento espiritual fica gravado no coração dos homens, na forma de cultura, às vezes inconsciente, expressando-se na forma de atitudes, frutos, obras. É para todos, especialmente para os mais humildes. É sempre libertador.

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