Vale da sombra da morte, George Inness |
Quando as sombras o
meu céu toldarem,
Mesmo que o sol não
possa ver,
Em Jesus encontro meu
refúgio,
Nas tormentas desse
meu viver.
Hino 385 do Hinário Adventista (Oswald Jeffray Smith)
Não somente o título deste hino, mas principalmente os
versos que nesse e em outros hinos ressaltam a maturidade da fé do autor quando
percebe a presença de Deus nos lugares mais incomuns. Nunca foi uma tarefa
fácil reconhecer a presença e a ação de Deus em meio às tormentas, por exemplo.
Nos temporais da vida, quando muito, conseguimos apenas repetir entre dentes os
lamentos inconformados dos discípulos que soçobravam na tempestade do Mar da
Galileia em quanto Jesus dormia: não se
te dá que morramos, podes assim dormir.
No pensamento cristão, a relação Deus e sombra se tornou uma
associação complicada desde muito tempo, porque João na Bíblia afirma o
contrário: Deus é luz, e não há nele
treva alguma. Usando este parâmetro fica difícil aceitar que Deus se
aproveita das sombras para se esgueirar como alguém que nos espreita para nos
flagrar em pecado. Porém, uma coisa é a intuição joanina de que não há em Deus
qualquer tipo de treva, vacilação ou dúvida, outra é pensar que esse mesmo Deus
não possa se fazer presente onde as sombras caem mais escuras, como diz a letra
do hino 81 do Hinário Evangélico.
Na Bíblia não são poucos os desabafos das pessoas que em um
momento de angústia profunda se sentiram desamparadas por Deus justamente
porque se sentiram cercadas por trevas tão densas que nem mesmo o próprio Deus
as pudesse enxergar. Podemos imaginar o profeta Jeremias quando foi colocado em
um poço de lama. Era um lugar tão inóspito que foram necessários trinta homens
para resgatá-lo com vida. Mais emblemática ainda é a oração de Jonas no ventre
do peixe que o engoliu quando este profeta fugia da presença de Deus: Jn 1.3 - Pois me lançaste no profundo, no coração dos
mares, e a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas
passaram por cima de mim. Poderíamos citar também o espinho na carne de
Paulo e a oração de Jesus citando o Salmo 21: Deus meu, Deus meus, por que me desamparaste?
Como se pode ver, estas não são orações de aflição por
problemas comuns e sim situações em que as pessoas se encontravam cercadas por
densas trevas, e cuja reação imediata Bonhoeffer traduziu pela palavra latina desperatio. Um termo incomum que nem de
longe se assemelha ao que costumamos chamar de desespero, pois é um sentimento
que impossibilita até mesmo qualquer reação desesperada. Situações em que temos que
reconhecer que a presença se Deus parece estar infinitamente distante.
É justamente nessa hora que a sua voz se faz ouvir, e é
justamente através da fé madura de pessoas como os autores citados, que Deus se
faz sentir mais do que uma simples presença. Faz-se atuante. São os hinos
movidos pela fé comprovada que nos fazem perceber algo que está além e acima da
nossa realidade imediata: Deus está nas sombras junto conosco, e vê a nossa
situação desesperadora como uma oportunidade de crescimento espiritual, e não
como um mal em si.
O pensamento do cristão comum vai intuir que a ação de Deus
está sempre predisposta a nos livrar das sombras, eu não tenho dúvida alguma
que Deus age também nesse sentido. Mas este não seria mais do que um simples
livramento. Não digo que seja um livramento de simples execução, mas que se
torna simples comparado à total libertação que ele nos quer assegurar. Em algum
lugar eu li que Deus é como o Sol, e que é preciso se ter uma fé madura para
conseguir enxergá-lo em meio às nuvens. Mas é essa mesma fé que nos garante que
ainda que qualquer visão se torne impossível, a presença da sua maravilhosa luz
pode ser percebida.
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