Pelo sim e a favor do não

Festa dos tolos, gravura da Idade Média
Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele. Ao insensato responde segundo a sua estultícia, para que não seja ele sábio aos seus próprios olhos. Provérbios 26.4-5

Esta meditação foi compartilhada com o rev. Jonas Rezende.

Esperar que Deus escreva certo por linhas tortas é uma coisa comum a qualquer pessoa que tenha uma mínima consciência religiosa. Porém, entender que ele pode comunicar o seu ensinamento de igual forma até mesmo através dos contraditórios sim e não, aí já requer um pouco mais atenção ao sopro do seu Espírito.

Observem bem os versículos acima e vejam até onde se estendem os limites de uma educação inequívoca, pois eles extrapolam todas as razões das decisões que normalmente tomamos em nome do bom senso. Para nós é sempre certo ou errado, esquerdo ou direito, sim ou não, e agora vem a Bíblia com esse antigo provérbio de Salomão balançar toda e estrutura de conhecimento e de modo de vida que aprendemos, praticamos e ensinamos até então.

Observem também que não se trata aqui de uma complexa questão de dialética, e muito menos a exposição da teoria de uma corrente filosófica tentando provar as inúmeras faces da verdade. Trata-se sim de refletir a respeito de uma situação concreta, com a qual todos nós já deparamos ou já estivemos envolvidos por mais de uma vez: que resposta vamos dar a tolice de uma pessoa equivocada? Que resposta vamos dar não somente a essa pergunta, pois ela imediatamente levanta outra inevitável pergunta: como vamos poder adaptar duas sentenças tão contraditórias à tão antiga, e de certa forma corriqueira harmonia que a simples escolha entre o sim e o não tem nos proporcionado até hoje?

Para a situação que o provérbio bíblico apresenta não é o bom senso do politicamente correto que vai determinar quando dizer sim ou quando dizer não, mas a percepção do momento e do propósito. De antemão devemos ter a consciência de que esta nunca será uma escolha a ser aplaudida pelo público à nossa volta, e da qual também não devemos esperar alguma compreensão da parte deles, pois se trata de um momento único no qual o incontrolável e incompreensível Espírito de Deus vai agir através de nós.

Se em um determinado momento nos disser: Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, ele está visando a nossa preservação em uma situação, na qual qualquer reação contrária irá nos expor ao ridículo de nos nivelarmos à tolice do nosso oponente. Muito embora a Bíblia por vezes nos induza a atitudes pouco tradicionais e que podem ser consideradas como loucura para muitos, elas não são para serem usadas em um confronto com tolos. É para o crescimento do Reino o seu propósito maior.

Se em outro dado momento ele nos ordenar: Ao insensato responde segundo a sua estultícia, não é, da mesma forma, para que fique patente a nossa razão diante da insensatez. Mas sim para que a tolice, como num todo, não triunfe diante da verdadeira sabedoria.

A Maiêutica Socrática induz o indivíduo a duvidar do seu próprio conhecimento para que novos conhecimentos pudessem vir à luz. No século IV antes de Cristo ele já ensinava o princípio básico do “conheça-te a to mesmo”. O ensinamento de Salomão pode não penetrar tão fundo na consciência crítica de cada um de nós, mas com toda a certeza arrasta atrás de si uma preocupação mais abrangente, pois se para a formação de um caráter é de suma importância que conheçamos a nós mesmos, para o Reino de Deus a prioridade é o mundo a nossa volta, e os tolos fazem parte dele.

Bem mais tarde, Paulo apropriando-se da riqueza desse ensinamento vai dizer em Rm 14: Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu.

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