Oração ao Deus desconhecido

Os mestres da suspeita, Daniel Gutowski
Dos três mestres da suspeita: Nietzsche, Freud e Marx, o que é considerado como sendo o mais ateu é sem dúvida Nietzsche. Sua famosa frase: Deus está morto, tem causado tanto a euforia dos incrédulos quanto a odiosa repulsa dos crentes. Porém, aqueles que se detiverem para analisar o contexto dessas suas palavras haverão de concordar que ele fala de um tipo de Deus que ambas as facções desejariam que sequer tivesse sido considerado na nossa História, quanto mais vivido o tempo da sua criação pelo homem, até a sua constatada morte pelo filósofo alemão.

Ainda que crendo piamente na morte desse Deus, a descrença de Nietzsche mais exacerbada recai justamente sobre a humanidade, que em um confronto direto de suas más ações com as atitudes por ele condenadas de Deus, o supera com nítida vantagem. Se considerarmos apenas o contexto da frase supracitada veremos que esta verdade já se mostra por inteiro: Deus está morto: mas, considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milênio existirão grutas em que se mostrará a sua sombra. Uma indisfarçável alusão ao Mito da Caverna de Platão, onde as pessoas que projetaram as sombras que se tornaram deuses estavam completamente alheias a este processo que se Deus contra as suas vontades.

Contudo, o que pouco conhecido desse polêmico mestre é a sua Oração ao Deus desconhecido, na qual encontraremos elementos que exaltam o Deus que Jesus Cristo veio anunciar, e que essa enorme pedra continua clamando a despeito da atenção que a igreja lhe deveria prestar. Reparem no texto e reflitam se esta não é a oração de qualquer cristão.

Texto de Friedrich Nietzsche
"Antes de prosseguir no meu caminho
E lançar o meu olhar para frente
Uma vez mais elevo, só, minhas mãos a Ti,
Na direção de quem eu fujo.
A Ti, das profundezas do meu coração,
Tenho dedicado altares festivos,
Para que em cada momento
Tua voz me possa chamar.

Sobre esses altares está gravada em fogo
Esta palavra: “ao Deus desconhecido”
Eu sou teu, embora até o presente
Me tenha associado aos sacrílegos.
Eu sou teu, não obstante os laços
Me puxarem para o abismo.

Mesmo querendo fugir
Sinto-me forçado a servi-Te.
Eu quero Te conhecer, ó Desconhecido!
Tu que me penetras a alma
E qual turbilhão invades minha vida.
Tu, o Incompreensível, meu Semelhante.
Quero Te conhecer e a Ti servir."

Fonte:
Friedrich Nietzsche (1844-1900) em Lyrisches und Spruchhaftes (1858-1888).
O texto em alemão pode ser encontrado em Die schönsten Gedichte von Friederich Nietzsche, Diogenes Taschenbuch, Zürich 2000, 11-12 ou em F.Nietzsche, Gedichte, Diogenes Verlag, Zurich 1994.

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