A religião da Bíblia é materialista?

Davi escrevendo os Salmos, Cuadros de David el Rey

Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.
Leia Salmos 19.

Texto do rev. Jonas Rezende.

Anos atrás, fui convidado por bons amigos para palestrar a um grupo de espiritualistas, durante importante congresso de uma semana. Como todos os temas anteriores versavam sobre a vida espiritual ou sobre considerações esotéricas, achei que poderia oferecer àqueles irmãos, que muito prezo e respeito, uma perspectiva material ou materialista da vida religiosa, que se complementa, é certo, com o plano espiritual.

É justamente isso. A religião da Bíblia não pode ser isolada de aspectos nitidamente materiais. Basta citar a criação do mundo, presente no Antigo Testamento; um magnífico poema da energia que se cristaliza em matéria: os céus proclamam a glória de Deus... A nova aliança fala da ressurreição do corpo material, que ocupa boa parte das reflexões contidas na palavra de Jesus e de seus seguidores. Poderia ser ainda lembrada a noção veterotestamentária, que relaciona fidelidade a Deus com prosperidade material, noção que o protestantismo desenvolveu particularmente com Calvino, em Genebra, como nos instrui o sociólogo Max Weber, entre outros.

No filme A última tentação de Cristo, baseado no livro de mesmo nome, escrito por Nikos Kazantzákis, durante a tentação no deserto, Jesus faz uma importante confissão de amor ao mundo material, em prece que bem poderia constar no Evangelho. Na deslumbrante noite de lua cheia, a refletir-se nas lonjuras de areia, o mestre diz: eu nem sei, ó Pai, se o outro mundo é mais belo do que este.

Huberto Rohden, não aceitava o panteísmo, isto é, a redução de Deus ao mundo criado, mas o pensador, que nos deixou tantos livros, criou um neologismo: panenteísmo: Deus está em tudo, mas a tudo transcende. Deus está então presente no mundo material. De seu coração este mundo é feito.
O nosso corpo material é fruto de um longo processo evolutivo - e outra vez temos de considerar o plano material. O próprio pensamento nasce ou se serve de concretas células cerebrais, estimuladas pelo mundo de fora e pelo nosso universo interior. Aristóteles chega mesmo a dizer: o homem pensa porque usa as mãos.

Mas eu gostaria também de destacar que o amor físico é um outro poema material encaixado no mundo que conhecemos: não é bom que o ser humano viva só. Nem é preciso que Reich venha nos mostrar o valor do sexo. Basta ler o Cântico dos cânticos, de Salomão: beije-me com os beijos de sua boca... Favos de mel manam de seus lábios... O amor é forte como a morte. O teólogo Dietrich Bonhoeffer chega a dizer que falar de Deus quando nos braços da mulher amada é, na melhor das hipóteses, falta de bom gosto. E Maiakovski desabafa: A minha anatomia enlouqueceu: sou todo coração.

Ainda é possível ressaltar a nossa missão social que, em uma palavra, é a luta para que todos os homens tenham pão. Nem só de pão viverá o homem, mas, sem pão, ele também não vive. Foi assim que nasceu a Teologia da Libertação, como sinal de nossa preocupação social.

Finalmente, a nossa esperança ou utopia última se confunde com um mundo melhor, sem dor e injustiça; um novo céu e uma nova terra. Veja como tudo é bem material, e demanda seres humanos dispostos ao amor concreto e encarnado. Está longe de ser uma visão paradisíaca, celestial, para se expressar em compromisso com este chão desafiador da terra de todos nós.

Quem foi que disse que a vida é só espiritual?

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