O Salmo que é um inventário

O poder de Deus, Gustav Doré
Bem-aventurados os que guardam a retidão e o que pratica a justiça em todo tempo. Lembra-te de mim, SENHOR, segundo a tua bondade para com o teu povo; visita-me com a tua salvação, para que eu veja a prosperidade dos teus escolhidos.
Leia Salmos 106

Texto do rev. Jonas Rezende.

Frederick Forsyth, em seu livro O dossiê Odessa, fala de um velho judeu, Salomon Tauber, que toma uma decisão aparentemente natural: não morrer. Mas quem lê o livro sabe que Tauber já é um homem morto em seu espírito, por participar da maldade nazista contra os judeus, perder a mulher e não ter esperança no mundo de atrocidades que o sufocava de todos os lados. Ainda assim, decide que não vai morrer porque precisa ser uma voz de denúncia contra as feras de Hitler.

Embora não sejamos premidos por fatos tão dramáticos, como sucedeu com Salomon Tauber e milhões de judeus massacrados pelo nazismo, a vida inteira somos intimados a decidir, a fazer escolhas. E não escolher é a pior decisão que o ser humano pode tomar.

A importância do assunto me faz considerá-lo mais uma vez, ao visitar o salmo aberto diante de nós. O poema é muito semelhante ao salmo anterior, e talvez a autoria de ambos seja a mesma, embora o nome do poeta seja omitido. O modo de começar e concluir as poesias é semelhante. E os salmos são inventários do que Deus fez e faz na vida do povo, em especial a libertação do Egito e a longa travessia pelo deserto. Quanto às decisões humanas, é possível afirmar que as escolhas infelizes prevalecem. E o salmista geme: não acudiram à voz do Senhor. Mas a bondade de Deus os leva pelo deserto, apenas responsabilizando a cada um e a todos pelos desvios e pela loucura de certos atos. O próprio Moisés, que conduz o povo e forma a nação no longo período de peregrinação através do deserto, avista a Terra Prometida, mas não entra em sua posse. Morre sem realizar plenamente sua esperança.

Se você ler com atenção este salmo, perceberá que o poeta alterna confissões pessoais com relatos que focalizam atos de toda a comunidade, em sua sofrida marcha. Veja a construção desta frase: lembra-te de mim, Senhor, segundo a tua bondade para com o teu povo. Alegrias e derrotas pessoais se entrelaçam com fracassos e vitórias de todo o povo. De certo modo, é assim que vejo também as consequências do ato de decisão.

Não há dúvida de que a decisão é pessoal; ninguém tem o direito ou o poder de decidir por outro. Quando um absurdo assim acontece, o desastre é absoluto. Não se trata de ser individualista, mas de ter responsabilidade pessoal. Podemos dizer, na vida espiritual, como Paulo: para mim o viver é Cristo. Ou como o possesso geraseno: que tenho eu contigo, Jesus? E assim acontece também em todas as demais escolhas de nossa vida, sejam importantes ou aparentemente sem valor. O caminho de definição vocacional ou conjugal, como também os motivos que nos levam à eleição de um clube de futebol.

Mas a escolha pessoal tem uma espécie de dinâmica, que atua em círculos concêntricos, como acontece quando jogamos uma pedra na água. De alguma maneira, a nossa escolha exerce o seu contágio nos que nos cercam. Por isso, sem a truculência de Constantino, que cristianizava à força os povos dominados, Josué conhece a sua influência na família, para dizer: eu e a minha casa serviremos ao Senhor. Na Bíblia, as ações transitam entre as pessoas por invisíveis vasos comunicantes. Os pais da humanidade, em um plano alegórico - Adão e Eva terminam transmitindo a consequência do seu equívoco para todos. E então percebemos que é preciso pensar muito antes de tomarmos as nossas decisões. O inventário do salmista se faz um sinal de alerta.

Chegou a hora de você também fazer a sua escolha;
tomar a sua decisão.

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