Quem não tem olhos somos nós

Têm boca e não falam; têm olhos e não veem; têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram. Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam. Salmos 115.5-8
 Sinal as testas dos homens, Ted Larson em 2007
É interessante notar como é diferente da nossa, a visão que a Bíblia tem dos ídolos pagãos. Aliás, esta é uma redundância, pois na concepção cristã não existem ídolos, senão os do paganismo. Temos um Senhor e Mestre, tudo mais é semelhança de carne, como dizia Paulo. Não são somente os salmistas, mas também a extensa literatura profética batem firmemente na incapacidade do ídolo de exercitar sequer os sentidos mais simples e naturais dos humanos: a visão, a audição, o olfato e o tato, e nem mesmo de efetuar as tarefas que as nossas crianças aprendem na mais tenra idade, como falar e andar.

Nesse sentido, nunca foi lhes foi necessário levantar questão sobre os atributos mais requisitados em um ser divino, tais como: a força, o poder, o domínio sobre a sorte das pessoas, como também sobre as forças da natureza etc. Um capítulo da Bíblia que tivesse esse propósito fosse escrito hoje, repousaria em argumentos bem mais complexos, e, logicamente, sem deixar de lado o apelo ao sobrenatural, diria algo assim: Os ídolos não podem devolver o seu emprego; não podem curar a sua mãe; não podem lhe garantir prosperidade e nem podem fazer vocês ganharem causas na justiça. O seu texto nunca questionaria a sua falta de atitude, a insensibilidade para com as pessoas ou a incapacidade do ídolo de reconhecer a iniquidade e a injustiça no momento presente, muito menos revelaria a sua indignação contra as verdadeiras causas do pecado.

Trocando em miúdos, na equiparação com um profeta ou mesmo com um salmista, nós somos tão completamente ineficientes quanto os tais ídolos que permeiam a imaginação do nosso povo e que atraem para si a fé de muitos. E aqui é interessante notar também que é exatamente isso que a Bíblia profetiza a nosso respeito: Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam. Com o passar dos séculos, através da história da igreja e das experiências que já vivemos, poderíamos acrescentar ainda mais: e também aqueles que simplesmente veem tudo isso acontecer e acham que tem que ser assim mesmo.

Parafraseando Edmund Burke: para que a idolatria prevaleça, basta que o fiel ao Deus verdadeiro não faça nada. Bem disse o apóstolo Paulo que a nossa luta não é contra sangue e carne, mas contra os dominadores deste mundo tenebroso e contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Essas palavras servem para nos alertar que a ineficácia da igreja de hoje caminha em pelo menos três direções: na permissividade e facilidade com que ídolos se estabelecem entre nós; no grande equívoco de imaginar que Deus concedeu a eles algum tipo de unção especialmente diferenciada para esse fim; em achar que é melhor que as novas gerações sejam assim, mas que permaneçam na igreja, em vez de estarem no mundo fazendo outras coisas. Felizmente a educação cristã não é tão flexível assim. Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha, disse Jesus. A fé sempre vai exigir de nós a vigilância constante.

Tenho que admitir que está cada vez mais difícil detectar a idolatria. Os lobos estão cada vez mais parecidos com ovelhas. Eles não apenas imitam os cristãos, agora, até se parecem com eles. Com pesar sou obrigado a reconhecer que, se por um lado a percepção dos cristãos tem embotado, por outro, os ídolos atuais não são mais tão passivos quanto os de antigamente. Esses falam, e falam muito. Andam, e vão longe. Enxergam em todas as coisas a oportunidade de ganho, até nas comunidades mais carentes. Só ouvem atentamente o desejo dos seus corações. Cheiram o dinheiro de longe, e estão sempre ávidos para apalpar os bens que a misericórdia de Deus concedeu a cada um para seu sustento.

Por tudo isso é que o salmista irrompe com as afirmações mais inequívocas e que, na sua experiência, só podem ser atribuídas aos Deus altíssimo: Ele tem se lembrado de nós, tem nos amparado e tem sido o nosso escudo. É na repetição incansável que acontece em todas as missas da Igreja Católica que podemos entender o que fez o autor desse salmo perceber de pronto a diferença entre Deus e os ídolos. Ele olha para a precariedade de si mesmo, estende o olhar para a perdida multidão à sua volta, e declara com toda convicção: Não a nós, SENHOR, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua misericórdia e da tua fidelidade. Sl 115.1.

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