A realidade do Sudão, Kevin Carter em 1993 |
A menor moeda do nosso sistema financeiro, a de um centavo,
anda sumida e fora de uso e isso já faz algum tempo. Imagino que somente os
donos de postos de gasolina se lembram dela, tanto que usam até frações de
centavos nas suas tabelas de preço de combustível. Fora eles somente a Bíblia,
que o faz para com o intuito de nos alertar que, ainda assim, a vida humana vale mais do
que dois pardais. Coisa que no pensamento dos ecologistas e dos amantes dos
animais é totalmente inconcebível e chega às raias do absurdo.
Estariam as palavras de Jesus em rota de colisão com algo
tão consensual em nossos dias? Negaria a Bíblia o compromisso que uma geração
inteira tem como inadiável e vital para com o planeta em que vivemos? O sim a
essas perguntas seria de igual modo inconcebível e absurdo?
Antes de tudo, é preciso dizer que é na Bíblia que
encontramos as mais ancestrais denúncias sobre o mau uso dos recursos naturais, bem como o mau trato para com os animais. Vários são os profetas que, a exemplo de Jeremias, manifestaram
a sua indignação contra essas ações devastadoras, e assim, há mais de dois mil e quinhentos anos, deixaram registrado. Jeremias 12-4: Até quando estará de luto a terra, e se
secará a erva de todo o campo? Por causa da maldade dos que habitam nela,
perecem os animais e as aves. Então, se percebe de antemão que caminho não passa por aí.
Por onde passaria então esse caminho?
Convém notar que Jesus faz, e esse é o único que tenho como válido, um
escalonamento de prioridades, onde a vida humana vale mais do que a de muitos
pardais. O que, como foi dito anteriormente, para muita gente é inconcebível e absurdo. Basta
observar que as nossas praças, parques e espaços públicos que hoje são mais frequentadas por animais do que
por crianças. Em um local onde cachorros de todos os tamanhos vagam sem coleira por todo canto,
temos que vigiar bem de perto as nossas crianças. Nas nossas redes sociais, para
cada denúncia de injustiça para com uma pessoa, trazem dez ou mais denúncias de
maus tratos com animais e mais de vinte propagandas de adoção. As ONGs do tipo
Green Peace arrecadam muito mais donativos, causam maior consternação e recebem
bem mais projeção na mídia do que aquelas que trabalham em favor das crianças refugiadas,
cujo número hoje já ultrapassa a casa dos vinte e cinco milhões em todo o mundo. A
esses dados podemos juntar igual número dos que, por alguma fatalidade, morreram sem
conseguir atravessar alguma fronteira.
A relação se inverteu e um simples pardal hoje está valendo
mais do que muitas vidas humanas. E o grande alerta que o texto faz à igreja é
justamente esse: não temer aqueles que podem matar o corpo, mas temer, sim, aqueles
que podem destroçar completamente o espírito humano. O que restará ainda de
humano em uma criança que nasce e vive nas limitações precaríssimas de um refúgio
indesejavelmente concedido por outro país que assim o faz como se fosse o maior bem
possível?
Vinte e cinco milhões de crianças que não têm qualquer tipo
de lei que as proteja ou legislação que puna quem não as trate condignamente. É
aqui que Jesus nos desafia com a pergunta: onde está a relevância de um pardal em uma situação como essa? Não temos tempo para mais nada, nem para a ecologia, muito menos para preservação de espécies enquanto não pudermos dar um fim
nessa realidade que está para muito além do que qualquer inconcebível absurdo. Afinal, para que tentar salvar um planeta inexoravelmente perdido como esse?
Queria encerrar com mais um fato recente. Kevin Carter, o autor da
foto que ilustra a postagem, suicidou-se aos trinta e três anos, um anos após ter
tirado a foto, deixando este
bilhete: Estou deprimido ... sem telefone
... dinheiro para o aluguel ... dinheiro para sustentar as crianças ...
dinheiro para dívidas ... dinheiro! ... Estou assombrado pelas vívidas memórias
de mortes e cadáveres e raiva e dor ... de morrer de fome ou de crianças
feridas, de loucos com dedos no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos
assassinos ... eu tinha que ter ido junto com Ken (seu colega fotógrafo que
havia falecido há pouco tempo), se eu
tivesse a mesma sorte.
A penúria pela qual Kevin estava passando, mesmo depois de
ter ganhado o premio Pulitzer por esta fotografia, era devido ao fato dele ter
sido marginalizado por aqueles que o criticaram acusando-o de não ter ajudado a criança, e sim fazer uso da sua miserabilidade. O
jornal que a publicou recebeu milhares de cartas nesse sentido e Kevin se viu
desempregado e sem perspectiva alguma na sua profissão. Grande azar esse seu,
pois, se em vez de fotografar a criança tivesse focado apenas no
abutre-de-capuz, e esse animal estivesse correndo risco de extinção, Kevin estaria
bem empregado até hoje e repousaria orgulhosamente no rol dos heróis que se empenharam em salvar da vida do
planeta.
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