Ilustração do XVIII Inferno de Dante, Sandro Botticelli em 1500 |
O Reino de Deus está sob o signo da bem-aventurança, mas ainda assim a Bíblia fala em castigos divinos. O plano de Deus visa reconciliar toda criatura, mas fala do inferno, que dele a separa para sempre. Escândalo incompreensível, desde quando se perde o sentido teológico das três realidades subjacentes ao castigo: o pecado, a ira, o julgamento. Mas, graças ao próprio Deus, o fiel acredita no mistério do amor divino que, através da sua paciência e misericórdia, obtém o pecador a conversão.
Calamidade, dilúvio, dispersão, inimigos, inferno, guerra, morte, sofrimento, todos esses castigos revelam ao homem três coisas: uma situação, a de pecador; uma lógica, a de que o pecado leva ao castigo; uma face pessoal, a do Deus que julga e que salva.
Calamidade, dilúvio, dispersão, inimigos, inferno, guerra, morte, sofrimento, todos esses castigos revelam ao homem três coisas: uma situação, a de pecador; uma lógica, a de que o pecado leva ao castigo; uma face pessoal, a do Deus que julga e que salva.
O castigo, sinal do pecado.
Através do castigo que dolorosamente experimenta a criatura pecadora percebe que está separada de Deus. O conjunto da criação faz essa experiência: a serpente, sedutora e homicida; o homem, descobrindo que por um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, o sofrimento, o trabalho penoso. Cidades são castigadas por sua iniquidade: Babel, Sodoma, Cafarnaum, Jerusalém, Nínive. Castigados são os inimigos do povo de Deus: Faraó, o Egito, as nações vizinhas, mas Deus deles se serve também para castigar o seu povo, que deve reconhecer a finalidade positiva do castigo. Também a Besta e os adoradores da sua imagem são igualmente castigados.
O castigo, fruto do pecado.
Três etapas são distintas na gênese do castigo. No ponto de partida há, ao mesmo tempo, o dom de Deus e o pecado. Depois que o apelo de Deus à conversão é rejeitado pelo pecador, que, não obstante, percebe frequentemente através do apelo o anúncio do castigo. Então, diante de um tal endurecimento, o juiz decide castigar. O resultado do castigo é duplo, conforme a abertura do coração: certos castigos são definitivos e condenam, como Satanás, Babel, Ananias e Safira. Outros são ocasionais e chamam à conversão. Assim o castigo é uma barragem oposta ao pecado: para uns, é o impasse da condenação; para outros, o convite a voltar-se para Deus.
Não é o castigo que separa o homem de Deus, e sim o pecado. Ele é a consequência. O castigo assinala fortemente que o pecado é incompatível com a santidade divina. Se Cristo conheceu o castigo, não foi em razão de pecados que houvesse cometido, mas por causa dos pecados dos homens que ele os tira e os leva.
O castigo, revelação de Deus.
Por sua lógica interna, o castigo revela Deus: ele é como que a teofania apropriada para o pecador. É o que diz incessantemente o profeta: Então sabereis que eu sou Deus. Porque o castigo é revelação, é o Verbo que o executa, é frente ao crucificado que ele assume suas verdadeiras dimensões. A mesma presença, doce para o coração puro, toma-se dolorosa para os endurecidos, embora nem todo sofrimento seja castigo.
O castigo revela as profundezas do coração de Deus. Mais do que ciúme, ira e vingança, ele revela a sua justiça, a sua vontade de perdoar, a sua misericórdia, enfim o seu amor insistente. Mas há um castigo no âmago de nossa história, em que o tentador e o pecado foram mortalmente feridos, é a cruz, em que refulge a sabedoria de Deus. Na cruz coincidem a condenação fechada de Satanás, do pecado e da morte, e o sofrimento ocasional, que leva de volta à vida.
Essa sabedoria tinha caminhado através de toda a antiga Aliança. A conscientização da liberdade não se pode fazer sem a correção. Então, o castigo está assim ligado à Lei? Historicamente, essa era está ultrapassada; mas psicologicamente muitos cristãos ainda se detêm nela: para esses, o castigo é então um dos vínculos que continuam a unir o pecador com Deus. Mas o cristão que vive no Espírito está livre do castigo. Se ele o reconhece ainda permitido pelo amor do Pai, isto é em vista da conversão. Em nosso tempo escatológico, o verdadeiro e único castigo é o endurecimento de um coração que vaga perdido sem a consciência do perdão divino.
Essa proximidade do julgamento decisivo, que já está em ação, confere ao castigo do homem carnal um sinal: ele antecipa a condenação de tudo que não pode herdar o Reino. Mas para o homem espiritual, a sentença é a justificação. O castigo torna-se então expiação em Cristo, para todo aquele que voluntariamente aceitou morrer na carne para viver segundo o Espírito.
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