Abraão creu em Deus, autor desconhecido |
Ser justificado vem a ser
fazer a própria causa triunfar sobre a de um adversário, fazer resplandecer seu
próprio direito. Mas não é preciso que tal confronto se faça diante de um
tribunal, nem que o adversário seja um inimigo. O campo da justiça é
incomparavelmente mais vasto do que o da lei e os costumes. Toda relação humana
comporta a sua respectiva justiça, a sua norma própria: respeitá-la é tratar
cada um daqueles com quem se tem a haver com a nuança exata que lhe convém, e
que não é determinada só a partir de fora, por seu lugar na sociedade e os atos
que ele realiza, mas também, e mais profundamente, pelo seu próprio ser, seus
dons e suas precisões. Ser justo é encontrar para com cada qual a atitude exata
que convém; ser justificado é, em caso de provação ou de debate, demonstrar não
tanto sua inocência quanto a justeza de todo o próprio comportamento, é fazer
brilhar a sua própria justiça.
Ser justificado diante de
Deus
Querer ser justificado diante
de Deus, pretender ter razão contra ele parece impensável e, longe de se
arriscar a isso, teme-se que o próprio Deus tome a iniciativa duma discussão
cujo resultado é de antemão fatal: Sl 143.2 - Não entres em juízo com teu servo; nenhum vivente será justificado
diante de ti, pois: Sl 130.3 - se
retiveres as faltas,... quem então subsistirá? A sabedoria está em
confessar seu pecado e, no silêncio, deixar Deus fazer brilhar a sua justiça.
O estranho, no fundo, não é
que o homem não seja nunca justificado diante de Deus, e sim antes que ele se
possa crer justificado, e que a Bíblia não pareça achar isso monstruoso. Jó,
por mais que saiba que o homem não pode ter razão contra Deus, que Ele não é um
homem, e que é impossível equipará-lo em justiça, não pôde renunciar a dialogar
em justiça, consciente de estar no seu direito. Uma vez que Deus é justo, Jó
nada tem a temer dessa confrontação, pois Deus encontraria no seu adversário um
homem reto. Mas Jó, a despeito de tudo que conjectura a seu respeito, faria
triunfar a sua causa: Job 23.7 - Ali,
o homem reto pleitearia com ele, e eu me livraria para sempre do meu juiz.
De fato, o próprio Deus, embora reduzindo Jó ao silêncio, mesmo que o convença
de sua loucura e leviandade, não deixa de lhe dar razão no ponto fundamental.
Reconhece também, na fé de Abraão, um gesto pelo qual este, sem evidentemente
levar vantagem sobre ele, corresponde ao menos exatamente, a tudo que ele
esperava: Gn 15.6 - Abraão creu no
SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça.
O Primeiro Testamento coloca,
portanto, a justificação do homem diante de Deus como uma hipótese
irrealizável, mas ao mesmo tempo, como uma situação para a qual o todo homem
está predestinado. Dizer que Deus é justo, significa querer dizer que ele
jamais deixa de ter razão e que ninguém pode disputar com ele em juízo: Is
29.16 - Que perversidade a vossa!
Como se o oleiro fosse igual ao barro, e a obra dissesse do seu artífice: Ele
não me fez; e a coisa feita dissesse do seu oleiro: Ele nada sabe. Mas
talvez queira dizer também que ele, sabendo de que limo nos plasmou, e para que
comunhão nos criou, não renuncia, justamente em nome da sua justiça e em
atenção à sua criatura, a torná-la cada vez mais capaz de ser diante dele
exatamente aquilo que ele espera que ela deve ser, justa: Sl 32.1-2 - Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é
perdoada, cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não
atribui iniquidade e em cujo espírito não há dolo. (continua)
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