Sansão e Dalila, Max Liebermann em 1901 |
A narrativa desses fatos pode ser encontrada nos
capítulos 13 a 16 do livro de Juízes.
Já disse outras vezes que dos quase 1500 personagens do Antigo
Testamento, menos de 10% são mulheres. Este fato, porém, não as poupou de
encabeçar duas listas: a das mais dignas, e a das mais vis pessoas da Bíblia.
Entre Sara, considerada a gloriosa matriarca da fé hebraica, e Eva, que,
segundo Paulo, é a pessoa pela qual o pecado entrou no mundo: I Tm 2.14 - Adão não foi enganado, mas a mulher; sendo
enganada, caiu em transgressão, estão devidamente representadas todas as
virtudes e mazelas do gênero humano.
Desde as heroínas Ester e Débora, até o símbolo máximo da
maldade de todo o Primeiro Testamento, Jezabel, encontramos toda a sorte de adjetivos
honoríficos e pejorativos cabíveis a uma pessoa. E caso viermos a listar os
campeões da má conduta nos mais diferentes estilos, verificaremos que, direta
ou indiretamente, os autores bíblicos incluíram pelo menos um nome de mulher
entre eles.
Quando falamos na abominável prática da traição, um nome
resplandece quase que de imediato. Não existe exemplo maior de traição no Primeiro
Testamento do que a levada a cabo pela mulher de Sansão, a filisteia Dalila.
Ela é assim considerada: A mulher que ardilosamente seduziu o juiz hebreu, Sansão,
aos encantos de uma outra cultura, propiciando com que a dominação que os
filisteus exercida, então, sobre o povo hebreu, se estendesse ainda por mais
tempo, uma vez que o enviado de Deus para o livramento, havendo sucumbido a
sua formosura, declinou da gloriosa missão a ele confiada. Contudo, se voltarmos despidos de falsa piedade aos detalhes
da narrativa, constataremos que alguns fatos contrariam radicalmente essa
maneira consensual de enxergar Dalila.
O primeiro fato é que Sansão era do tipo que não precisava
que ninguém o seduzisse, ele se seduzia sozinho. Dalila não teria sido a
primeira estrangeira por quem Sansão se apaixonara. Em uma atitude totalmente inesperada
para um nazireu consagrado ao Senhor desde o ventre materno, aquele que, por
votos próprios ou de seus pais, se abstinha de certas práticas e alimentos.
Sansão nega os votos contraídos pelos seus pais e se dispõe a casar-se com uma
mulher filisteia da terra de Timnate, lugar famoso pelo vinho que fabricava. Não
teria sido esta a única desonra que Sansão faria à sua condição de nazireu. Entre
as prostitutas e os beberrões a sua fama já era bastante conhecida.
Um segundo argumento se baseia no fato de que mesmo sendo
grandemente abençoado por Deus e uma pessoa de renome junto ao povo, Sansão não
era o exemplo de herói do qual as pessoas tivessem orgulho. Sansão fazia o tipo
grande e bobo. Mas este fato não o incomodava, uma vez que era possuidor de uma
força descomunal, e isto lhe bastava. Alguns teólogos afirmam que foi Sansão
quem inspirou os escritores gregos na concepção da famosa lenda de Hércules.
O terceiro fato é que o grandalhão Sansão, além ser
facilmente seduzido por qualquer um, ou melhor, por qualquer uma, era também,
com a mesma facilidade enganado por todos. Nas suas bodas fora primeiramente
trapaceado pela sua noiva, esta, sob ameaça de morte imposta pelos seus
líderes. Foi, mais tarde, enganado também pelo sogro, que, sem motivo aparente,
entrega a esposa de Sansão ao homem que servira de padrinho na cerimônia de
casamento. E finalmente por Dalila, que
antes do desfecho fatal, já o havia enganado por três vezes, na tentativa de
descobrir a fonte da sua prodigiosa força para entregá-lo aos líderes
filisteus.
Ainda como último argumento, temos o fato de que foi Sansão
quem procurou a sua própria ruína. Ninguém foi atrás dele para dissuadi-lo a
abandonar os desígnios de Deus para a sua vida. Sansão age como um irracional,
ou mesmo como um imbecil. Seu fim poderia ser antevisto por qualquer pessoa
próxima. Sua história serve como advertência para aqueles que, já debaixo da
graça de Deus, andam afanosamente em busca de novas experiências em doutrinas
e costumes estranhos à fé na qual foram batizados.
Dalila
não se apresenta simplesmente como aquela que trai alguém que a ama e sim
como uma pessoa que executou um trabalho para preservar a própria vida, está
certo que por uma quantia em dinheiro também. Mas a história conta que
Sansão era o apaixonado, não fala de qualquer reciprocidade e nem juras de
amor de Dalila para ele. O compromisso de Dalila era, primeiramente, para com o
seu povo. Caso fosse ela judia seria consagrada como uma das suas grandes heroínas
da Bíblia, pelo fato de ter ajudado a derrotar um poderoso inimigo do seu
povo. Dalila passa, então, para a História como uma mulher que soube honrar o
único compromisso que lhe havia sido imposto, o compromisso para com a sua
pátria. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo do nosso herói Sansão.
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