Abraão no caminho para Canaã, Pieter Lastman em 1614 |
Não foi por ou duas vezes que eu vi no Facebook postagens
que propagam bênçãos coletivas. Não quero questionar a intenção de quem as
posta, contudo, sou obrigado a fazer uma associação que parece ser bastante
lógica: Se, a princípio, coisas do tipo: Que
Deus abençoe esta pessoa linda que esta lendo essa mensagem, realmente
funcionassem, teríamos que acreditar e temer muito também as maldições,
correntes e uma série incontável de ameaças e maus agouros que ali são postados
diariamente.
Mas entendo também não ser esse o mal que se esconde por
trás dessa inocente manifestação de solidariedade piedosa. Em primeiro lugar, a
bênção de Deus não é algo para ser invocado e muito menos impetrado
simplesmente com palavras jogadas ao vento. Essa bênção exige uma interação
profunda entre aquele que a promulga e aquele a quem ela é dirigida, pois o que
requerente da bênção passa a carregar consigo a enorme responsabilidade de ser
o canal entre Deus e o abençoado. Quando Deus fez promessas a Abraão, não fez
dele o principal receptor, mas sim o principal meio pelo qual essa bênção
chegaria a todos nós: Em ti serão benditas
todas as famílias da terra. Sabemos que a vida de Abraão, que antes gozava da
tranquilidade do Crescente Fértil, passou a ser uma reviravolta de sucessos e percalços,
imediatamente depois essa bênção lhe ser impetrada.
Ser canal da bênção é preciso muito mais do que ter uma boa
intenção ou acordar de bom humor. É preciso conhecer de perto as circunstâncias
e as pessoas para que a bênção esteja dentro da necessidade do abençoado.
A bênção de Deus exige também uma atitude ante ao status quo vigente. Exatamente por isso
que Deus, antes de abençoar a Abraão, lhe diz: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa do teu pai e vai para uma
terra que eu te mostrarei. Impetrar uma bênção é muito mais do que dispor
corretamente palavras numa bela frase. Logo de saída vai significar uma coisa:
sai do Facebook e procura fazer algo para que a benção que desejas se torne
realidade. Sei que é bem difícil atingir em cheio esse objetivo, principalmente
na amplidão do alcance dessa rede social, mas sei também que muitas das pessoas
perto de nós carecem particularmente de muitas dessas bênçãos que estou
desejando coletivamente. Recentemente li uma postagem que retrata perfeitamente
o que estou dizendo: Antes de sair para
reformar o mundo, arrume a bagunça do seu quarto.
Existe ainda outra exigência para aqueles que se arvoram em
pronunciar bênçãos ao léu. Precisamos voltar ao chamado de Abraão para
conhecê-la: De ti farei uma grande nação,
e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Aqui vemos claramente
que todas as promessas que Abraão recebeu não tinham o intuito de transformá-lo
em um ser moral e espiritualmente superior, a ponto de fazer com que as pessoas
que cruzassem com ele fossem naturalmente abençoadas. Pelo contrário, Abraão
teria que encarnar a própria bênção, pois além de ser seu portador e seu canal,
teria ele que ser a bênção onde quer que estivesse.
Deus preparou Abraão para que começasse um movimento de
pessoas que depositassem a sua fé, não mais em imagens, na segurança de um
terreno fértil ou em um exército poderoso. Na fé de Abraão as pessoas teriam
que se importar umas com as outras e todas com o ambiente a sua volta, porque a
vida tranquila e segura que todos almejavam viria através desse relacionamento
realmente interativo.
Olhando a situação atual tem-se a nítida convicção de que
isso tudo é para nós uma grande novidade, assim como fora para o povo da época
de Abraão. Ou seja, decorridos mais de quatro mil anos, ainda continuamos
achando somos capazes de, com meia dúzia de palavras e alguma boa intenção, transmitirmos
algum tipo de bênção a quem não conhecemos e nem temos outra afinidade, senão
um monitor de computador.
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