Páscoa, a impensável paixão de Deus

A primeira Páscoa, David Roberts em 1830
Um auto inédito para a Páscoa de autoria do rev. Jonas Rezende em 3 partes.

De uma apaixonada maneira amou Deus ao mundo, que cometeu o absurdo de entregar o próprio filho como um holocausto em favor desta terra, para que todo aquele que der o salto de absoluta fé em Jesus cristo não se perca, mas receba o divino batismo da vida eterna! Paráfrase de João 3.16

Abertura
Dentre os erros desastrosos
Que o ser humano insensato
Comete contra si mesmo,
Destaco o grave tropeço
Desde o começo, um pecado
Que lhe perverte o destino
Dificultando o retorno
Pois transforma o ser humano
Num bicho que lembra o rato

No lamentável transtorno
Que não aceita disfarce
E nenhum vislumbre de adorno
Mas se ele considera
O destino com derrota
O seu pior desatino
Entende então que sofreu
A queda sem mais saída
Em todo o curso da vida
Afogada pelo não,
Sem fogaréu atiçado
E espontânea combustão
Que queima o mato crestado
Com lucidez e demência
Ou a fúria de um vulcão

Com tal praga engastalhada
De antemão e sem fiança
Todo homem escolhe apenas,
Como inevitável herança,
O amargo e triste tombo
No petrificado chão
De uma vida fracassada,
Quando sem alternativa  
Vê que traz as mãos vazias
E conclui que não tem nada.

Ora bolas, seu bobão!
Fui eu mesmo que propus
Agorinha a indagação
Que o gênio de muitos anjos
E a malícia dos demônios
Bem sabem como é difícil,
Muita vez sem solução.

É verdade que a paixão
Pode gerar confusão
Seja para um grande amor,
Mas também ao namorico
Condenado à extinção.
Pois começa e logo acaba
Sem um átimo de emoção,
E esse eco que martela: ão, ão, ão
De um maluco violão
Com saudade do sertão,
Do bando de Lampião
E de nosso Sebastião
E lembra o berro da cabra,
Meu compadre, seu Mané,
Durante uma refeição:
Mé, mé...

A boa feijoada
Não dispensa o paio.
Assim viver sem paixão
É como fazer apenas
Um descosturado ensaio!


(cantado)       Eu estou apaixonado,
                       O pai da moça é zangado,
                       O remédio, Dudu Sampaio,
                       É feijoada com paio.
                                                                               
Porque a paixão é sagrada:
O homem fica mais puro,
E a mulher, transfigurada.
A cidade se ilumina
Com Chico e sua valsinha
Se o lar é mais que fachada. 


Amor materno 
Cena I

O delinquente
Após o assalto
Falou bem alto:
     -   Lucrei tão pouco,
         mas em minutos
         me faço Deus,
         e dou-vos troco
         com vossos, sonhos
         de uma vidinha
         de vagabundos.
         que de dinheiro
         só tem o cheiro,
         não tendes cheques,
         cartões de crédito
         dormem nos cofres,
         nada em vós me vale a pena,
         burgueses de alma pequena,
         na rotina do ano inteiro.

Um grama de ouro em pó
naquilo que vos pertence
é mais difícil de achar
do que agulha no palheiro.

Preciso de vosso saber
Pois não tenho o que comer.
Como é que vou viver?

Cada dia de trabalho
Tudo o que sonho eu arrisco
Mas convosco a segurança
É instruída por milhões:
Deveis ter bolsos vazios
Guardar valores no cofre
Disfarçai vossa riqueza
E a cara gorda e parada
Como vaca premiada

Os turistas perceberam
Que a ofensa era fatal
Como um prelúdio do fim
E o pânico terminal
            
     -   Pelo amor de tua mãe...
     -   o que isso quer dizer?
         nem me interesso por Deus.
         Essa mãe é uma artista
         de cínica hipocrisia
         logo estarei junto dela
         vou ensinar à sua goela.
         Afinal, o que são
         estas coisas: Deus e mãe,
         por quem toda gente apela?
         Tudo indica que Deus e mãe       
         são chantagens na lapela
         à pobreza da favela.

O delinquente arrotou
Mais nojento que podia
Como se representasse
Na espelunca sem artistas
De um teatro de revista:
E fuzilou os turistas!


Cena II

Vicente celestino com seu vozeirão
Não poderia nem imaginar                 
Em se lançar bossa nova:
Se você disser que eu desafino, amor
Vai pentear macaco
Que eu não sou cantor...

     -   só querem fiapos de gemidos,
         Veja, Gilda, não gostam da voz de um homem! 
Bossa nova, uma ova!
Bossa nova é como um quadro no museu:
Um barquinho, um banquinho, como os beijinhos...

Sou Vicente Celestino,
De pura ópera do povo,
Eu canto o amor humano
Com foco celestial
Usando a mãe que o encarna
E assim seduz toda a gente
Sem sombra alguma de mal.

Lá no alto Corcovado eis o Cristo..

Chega à choupana o campônio
E encontra a mãezinha
Ajoelhada a rezar.
Rasga-lhe o peito o demônio
E joga a velhinha aos pés do altar.

Tira do peito sangrando
Da velha mãezinha
O inteiro coração
E volta a correr proclamando:
Vitória, vitória de minha paixão

Mas em meio da estrada caiu
E na queda uma perna partiu.
À distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra o pobre coração
Neste instante uma voz ecoou:
     -   Magoaste pobre filho meu?
         vem buscar-me, filhinho, aqui estou.
         Vem buscar-me que ainda
         sou teu.... Tornei-me... Já posso parar?
Obrigado pela participação.


Cena III
Nossa homenagem
À mãe aqui presente
Especialmente,
Também destacamos:
Maria, mãe de Jesus.
Lúcia Rocha
Heloneida Studart
Violeta Parra,
Izabel Mauad
Rose Marie Muraro.

Duvidar é um pecado.
Mas é preciso cuidado
Pois existe a falsa mãe
Que mancha o nome sagrado!
No fundo, ela é carpideira,
Seu choro é dissimulado,
Pois despeja leite em pó
Na goela do menininho
Que vivia triste e só.

A mãe não lhe dava o seio
Por imensa vaidade
E repetia a mentira
Que é moça e mantém cuidado
Para andar pela cidade
E mostrar-se sem receio
Com todo o corpo empinado

Por sua vaidade burra
O menino é amarelinho
Pois vive em quintal de terra
Com caroços de mamão
E pegou "amarelão"

Talvez, por motivos culturais,
Razões que eu possa chamar
Sentimentais, genéticas?
Ou, obscuramente, espirituais,
O teste é simples demais:
Abre a mão e vê,
Esquece aquela garrafa malfazeja
E deixa para depois tua cerveja.
Vê na palma da mão o “M”
Da santinha, dá uma olhadinha:
É a declaração de amor
Que antes de nasceste tinhas,

O “M” feito pela mão aberta
Pela sua clareza me desperta
Um doce enlevo que jamais senti.
Quer dizer mãe, este “M” tão perfeito
E com certeza em minha mão foi feito
Para quando eu for bom pensar em ti.
(continua)

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