Homem nu, Hippolyte Flandrin em 1855 |
Tornai-vos, pois,
praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque,
se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que
contempla, num espelho, o seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se
retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que
considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera,
não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado
no que realizar. Se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a língua,
antes, enganando o próprio coração, a sua religião é vã. A religião pura e sem
mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas
suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.Tiago 1.19-27
Trecho extraído do livrete Estudos em Tiago do rev. Paulo Schütz.
Trecho extraído do livrete Estudos em Tiago do rev. Paulo Schütz.
A palavra da verdade só
atuará naquele que estiver “pronto para ouvir e “tardio para falar”,
que são duas faces da mesma moeda. O sábio está sempre disposto para ouvir e só
fala depois de pesar bem suas palavras. O tolo tem pressa para falar e não
costuma levar a sério e ponderar sobre o que ouve. A semente plantada no seio
de um animal ou da terra leva algum tempo germinando, para gerar outra vida.
Jesus morreu e levou três dias para ressuscitar. É assim que Deus administra
sua natureza, é assim que conduz sua obra salvadora; sábio o homem e sábia a
mulher que seguem seu exemplo.
Podemos também dizer
que, ao falar, o tolo serve o prato cru, sem esperar a ação geradora e purificadora da Palavra de Deus; serve sua própria ira, a ira humana que não produz a justiça de Deus. O sábio prepara o
terreno, afastando toda impureza e a maldade acumulada,
e acolhe com
mansidão a palavra nele implantada, possibilitando assim sua ação poderosa para que ela, então, produza a justiça de Deus e salve a sua alma, a
sua vitalidade.
Os
bons ouvintes não são somente ouvintes, mas praticantes, da
palavra, pois a palavra que germina no coração do sábio gera ação, ação que,
essa sim, produz a justiça de Deus. Pois
é próprio da palavra de Deus produzir não outras palavras, muito menos palavras
humanas, mas gerar coisas e fatos, como aconteceu na criação: disse Deus
“haja”, e as coisas aconteceram. Os que ouvem e não praticam, isto é, não a
transformam em ação, enganam-se a si mesmos,
podem até conhecer seu significado, mas a palavra neles não “prospera naquilo
para o que Deus a designou” (Is 55.11).
O
exemplo do espelho explica como o tolo se engana. Primeiro, a si mesmo se contempla, não
presta atenção em nada que possa ser acrescentado à sua vida, que ainda não
tenha adquirido. Segundo, se retira,
não persevera, não se detém o tempo necessário para a
palavra agir. Terceiro, se esquece, tudo
permanece como antes, como se nada tivesse contemplado, não fez diferença.
O sábio, ao contrário, primeiro, considera
não em si mesmo, mas na lei perfeita, lei da liberdade.
Segundo, não se retira, mas nela considera atentamente,
sobre ela se debruça, como Pedro (Lc 24.12), João e Maria (Jo 20.5,11)
examinaram o túmulo vazio, para bem assimilarem seu significado. E, terceiro,
não esquece, mas nela persevera, não sendo
ouvinte negligente, torna-se praticante operoso, pois
são suas realizações que o fazem feliz, isto é, será bem-
aventurado no que realizar.
Refrear a língua é o mesmo que ser tardio para falar (1.19).
Quem não procede assim não dá à palavra o tempo necessário para que ela produza
aquilo que apraz a Deus (Is 55.11), dando lugar ao “fútil procedimento”
(veja I Pe 1.18-19), de modo que sua religião é vã, não
serve para nada, é perda de tempo, enganação.
Aqui, Tiago esclarece o que o sábio realiza
a ponto de tomá-lo bem-aventurado (1.25), que consiste na religião pura e sem mácula, como
o cordeiro que nos resgatou de nosso “fútil procedimento” (1 Pe
1.19) que é visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, como
Deus visitou os irmãos de José (Gn 50.24) e como visitou seu povo em Jesus
Cristo (Lc 1.68, 78; 7.16), e em guardar-se
incontaminado do mundo.
O
sentido destas últimas expressões será esclarecido nos capítulos seguintes.
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