As visões de Ezequiel, Francisco Collantes em 1630 |
Uma das imagens mais marcantes da minha infância na Igreja
Metodista era a de um oficial da igreja, cargo que nas igrejas de organização
congregacional é chamado de presbítero, que em cada dez palavras falava, no
mínimo, oito palavrões. Uma figura impagável em todos os sentidos, pois do alto
dos seus quase dois metros de altura determinava, com autoridade inquestionável,
o que jovens e juvenis deveriam fazer para terem o direito de desfrutar da quadra
de esportes, bem como das demais dependências de recreação. Ele precisava dizer
somente: sábado vou fazer uma macarronada.
Nós já sabíamos de antemão o que tinha escondido embaixo daquele macarrão.
Não sei bem o que os adultos pensavam dele, mas posso assegurar
que nos anos que ele esteve à frente da administração da igreja, nunca foi
preciso contratar profissionais para limpar a imensa caixa d’água, varrer o
forro, consertar as cadeiras do auditório e, é claro, manter a quadra limpa e
sempre bem demarcada. Esse controverso servo de Deus podia bem ser o boca suja
da igreja, mas uma folha de serviços como a dele, dificilmente irei de
encontrar alguém que tenha.
Coisa muito parecida podemos dizer do profeta Ezequiel, o
boca suja da Bíblia. Em cada dez de suas profecias podemos encontrar pelo menos
vinte ofensas verbais de baixíssimo calão. Sua mensagem não se limitava apenas
a ofender com impropérios, como fazia Amós, quando chamava as mulheres de
Israel de vacas de Basã. Nem era semelhante à de Oséias, que denunciou com a
própria vida conjugal a prostituição do povo judeu. Não. Ele fazia absoluta
questão de detalhar com minúcias sórdidas os pecados do povo e fazia isso
comparando-os às perversões mais bizarras que se podiam imaginar. Querem um
exemplo? Leiam Ez 23.20 e tenham uma pálida noção do que estou dizendo, mas,
por favor, não digam que fui eu que sugeri a leitura.
Os bocas sujas pegavam pesado, mas resolviam. Quando comparo
Ezequiel e o grandão da igreja com os “evangeliquinhos” de hoje, que, a despeito
da sua elevada moral e conduta ilibada, não resolverem “m” nenhuma, me vem à
memória a parábola contada por Jesus, em Mt 21, de dois irmãos que receberam
uma ordem direta do pai para trabalharem na lavoura. O primeiro disse que ia,
mas não foi e o segundo disse que não ia, mas acabou indo. A pergunta que confere moral
a essa história é a seguinte: quem fez a vontade do pai?
Como igreja, me vejo sempre impassivo diante das manchetes
dos jornais, que só trazem crimes de assassinato e estelionato. É aí que
forçosamente comparo a minha vida à dos repórteres que estão perdendo seus
empregos e sendo alijados das suas profissões por denunciarem intempestivamente
a situação vigente. Quando vejo o meu povo completamente nu e rolando no seu
próprio sangue, não tenho como não me sentir também ensanguentado e nu também, e é ai
que me deparo com a profecia pornográfica de Ezequiel, é aí que a linguagem chula
do meu amigo no passado mais me desafia.
Será que um dia teremos a noção do tamanho da vergonha que é
ser chamado de evangélico num país como o nosso? Não seria mais produtivo para
o Reino de Deus e para o povo de Deus que deixássemos de lado a pose de bons
moços e passarmos a dar às vacas os seus verdadeiros nomes? Seria possível conceber ou pelo menos imaginar que um ou dois palavrões, em muitas situações, declararia mais
objetivamente a nossa fé em Jesus do que muitos aleluias proferidos em horas sabidamente indevidas?
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