Alegoria do Antigo e do Novo Testamento, Hans Holbein 1534 |
O
sentido da palavra
A
palavra que designa a graça, o grego charis,
não é pura criação do cristianismo. Ela figura também no Primeiro Testamento.
Mas foi o Segundo que lhe fixou o sentido e lhe deu toda a sua extensão. Utilizou-a
precisamente para caracterizar o novo regime instaurado por Jesus Cristo, em
oposição à economia antiga, já que esta era governada pela Lei, enquanto que o
proposto por Jesus é pela graça.
A
graça é o dom de Deus que contém todos os outros. É o dom radiante da
generosidade do doador e que envolve com essa generosidade a criatura que o
recebe. É por graça que Deus dá, e aquele que recebe seu dom encontra graça e
complacência diante dele.
Por
uma significativa coincidência, a palavra hebraica e a palavra grega que se traduzem
em latim por gratia e em nossa língua por graça, prestam-se, uma e outra, para
designar ao mesmo tempo a fonte do dom naquele que dá e o efeito do dom naquele
que recebe. O dom supremo de Deus não é totalmente alheio aos intercâmbios
pelos quais os homens se amam entre si, e que existem entre ele e nós parâmetros
que revelam em nós a sua imagem. Enquanto o hebraico hen designa, em primeiro lugar, o favor, a benevolência gratuita
dum personagem superior, e depois o testemunho concreto desse favor,
demonstrado por aquele que dá e faz graça, obtida por aquele que recebe e encontra
graça, enfim, o encanto que atrai o olhar e retém o favor, o grego charis, de modo um tanto inverso,
designa em primeiro lugar o encanto irradiante da beleza, e depois a irradiação
mais interior da bondade, e enfim os dons que atestam essa generosidade.
A graça na antiga Aliança
Revelada
e dada por Deus em Jesus Cristo, a graça está presente no Primeiro Testamento,
como uma promessa e como uma esperança. Sob diversas formas, sob nomes
variados, mas sempre unindo o Deus que dá ao homem que recebe, a graça aparece
por toda a parte no Primeiro Testamento. A leitura cristã do Primeiro
Testamento, tal como São Paulo a propõe aos Gálatas, consiste em reconhecer, na
antiga economia, os gestos e os traços do Deus da graça.
A
graça em Deus
A própria
Bíblia define assim: Ex 34.6 - Javé, Deus
de ternura e de graça, lento para a ira e rico em misericórdia e fidelidade.
A graça de Deus ao mesmo tempo é misericórdia inclinada sobre a miséria, hen), fidelidade generosa para com os
seus, hesed, firmeza inabalável em seus
compromissos, emet, ternura de coração
e apego com todo o ser àqueles a quem, rahamim,
e justiça inexaurível, sedeq, capaz
de assegurar a todas as suas criaturas a plenitude de seus direitos e de
satisfazer a todas as suas aspirações. Que Deus possa ser a paz e a alegria dos
seus é efeito da graça. A graça de Deus pode, portanto, ser uma vida, mais rica
e mais plena que todas as nossas experiências.
As manifestações da graça divina
A
generosidade de Deus se derrama sobre toda a carne, sua graça não permanece um
tesouro ciumentamente guardado. Mas como sinal luminoso dessa generosidade que é
a eleição de Israel. Esta constitui uma iniciativa totalmente gratuita, que não
se explica por qualquer mérito do povo escolhido, por qualquer valor prévio
seu, nem pelo número, nem pela boa conduta, nem pelo vigor de sua mão, mas
somente pelo amor ao povo e a fidelidade à palavra jurada aos vossos pais: Dt
7.7 - Não vos teve o SENHOR afeição, nem
vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o
menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para guardar o
juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão poderosa e vos
resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito.
Do
ponto de vista de Israel não há senão uma explicação, a graça do Deus fiel que
guarda sua aliança e seu amor. O símbolo dessa graça é a terra que Deus dá a
seu povo, país de torrentes e de fontes, de montanhas e vales irrigados pela
chuva do céu, de cidades que não construíram, de casas que não encheram, poços
que não escavaram.
Essa
gratuidade não é desprovida de objetivo.
Deus não está derramando às cegas riquezas com as
quais o povo não saberia o que fazer. A eleição tem por objetivo a aliança; a graça que escolhe e que dá é um gesto de conhecimento, apega-se a quem escolhe, e espera dele uma resposta, o reconhecimento e o
amor; essa é a pregação do Deuteronômio em 6.5,12; 10.12; 11.1 etc. A graça de
Deus requer parceiros, requer um intercâmbio, uma comunhão. (continua)
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