O remorso de Orestes, Bouguereau em 1862 |
Enquanto dormimos
a dor que não se dissipa
cai gota a gota sobre nosso coração
até que, em meio ao nosso desespero
e contra nossa vontade
apenas pela graça de Deus
vem a sabedoria.
Poema escrito no século V a.C. pelo poeta grego Ésquilo, que virou citação do senador americano Robert Kennedy em seu discurso em razão da cerimônia fúnebre do rev. Martin Luther King Jr., em 4 de abril de 1968, é o texto que dois meses mais tarde também estaria gravada na lápide da própria tumba deste senador.
O material ancestral que temos em mãos é um registro fiel e traumático, que vem desde a Grécia antiga, sobre a tensão a que todos somos submetidos, com relativa constância, entre a sabedoria humana que nos induz à vingança e a sabedoria da graça de Deus que nos conduz ao perdão. Esta também é a oportunidade de termos uma pálida visão do longo e árduo caminho que o pensamento judaico-cristão levou para percorrer desde a jura de vingança inexorável, o conhecido Anátema, até o mandamento de dar a outra face, passando antes pelo “olho por olho” e pelo perdão contabilizado.
Ésquilo nos faz lembrar que nem mesmo o mais profundo sono fecha a torneira do ácido que goteja em nossos corações correndo qualquer iniciativa de perdão de ambas as partes envolvidas. Mas ele nos lembra também de que é no olho do furacão do desespero que, contra todas as expectativas e até mesmo contra a nossa vontade, algo nos alcança. Esse algo que também transforma todos os planos e esperanças de vingança que foram tramados no fundo das feridas do coração, em um desejo irrefreável de reconciliação e perdão.
Podemos discordar aqui a cerca de quem era o Deus a quem Ésquilo se referiu no passado, mas sobre a impetuosidade e a surpresa da graça, em todos os tempos, não há como ter discórdia. Os meios utilizados pela sabedoria que induz à vingança não somente se multiplicam como também se modernizam exponencialmente. Hoje é perfeitamente legal se expor uma pessoa nas redes sociais ou mesmo pela publicação da sua biografia. Porém, contra todos eles, Deus continua usando a mesma antiga e eficaz graça.
Segundo Ésquilo, somente o perdão fecha a torneira. Hannah Arendt, psicóloga e socióloga alemã, diz que o antídoto mais eficaz contra a retração natural do coração é perdoar, porque, segundo ela, perdoar é livrar-se da irreversibilidade do passado. Na visão de Jean Yves Lelup, psicólogo e padre ortodoxo, perdoar é não aprisionar o outro nas consequências dos seus atos. Tudo isso muito bonito, mas muito difícil. Estou passando agora mesmo por uma situação em que não encontro forças dentro de mim para perdoar e muito menos descortino motivos para ser perdoado.
Talvez o texto que melhor retrate essa situação seja o Salmo 90, que foi atribuído a Moisés. Entre as lamúrias de um desvalido, a declaração da sua repugnância e o reconhecimento da sua culpa, apenas lhe resta esperar pela misericórdia de Deus, por ela assim clama:
Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos.
Seja sobre nós a graça do Senhor, nosso Deus; confirma sobre nós as obras das nossas mãos.
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