A defesa do fraco

O bom samaritano, van Gogh em 1890
Existem coisas de si mesmo que um pastor nunca deve declarar publicamente, quer seja do púlpito, quer seja através de outro meio de comunicação. Esta é uma regra primária e que nos é ensinada desde as primeiras aulas do seminário. Uma imagem pastoral preservada é algo que pode ser decisivo na credibilidade e na autoridade do clérigo. Eu creio fielmente nisso, embora nem sempre, como fiz na meditação anterior, obedeça a esta tal regra primária.

Não estou dizendo com isso que os pregadores do evangelho tenham que dar apenas dar os testemunhos pessoais que lhes favoreçam a imagem e esconder o máximo possível as suas mazelas. Pelo contrário. Um pastor só deve falar unicamente sobre as suas experiências negativas que ficaram no passado, pois as positivas devem ter como protagonista alguém que tenha contribuído decisivamente com a causa do evangelho. Importa que Jesus Cristo cresça e que eu diminua, assim determinou João, o batista.

Porém, nem mesmo o cumprimento à risca desse conceito poderá evitar que nos deparemos vez por outra com as seguintes perguntas: quem sujará as mãos para tratar das feridas abertas? Quem nesse mundo tem a capacidade de se opor ao mal que lhe sobrevêm com o intuito único de quebrar os vínculos que o liga à sua humanidade mais básica e sair dessa luta incólume? Quem não vai deixar no campo de batalha uma parte do seu coração ferido por uma disputa familiar?

Imaginem que eu esteja falando de um caso em que não importa quem tem razão, quem está do lado da justiça ou de quem se encontra no seu mais inquestionável direito. Importa sim as condições em que cada um dos lados se encontra no momento da disputa. Importa neste caso as defesas que um lado possui contra as armas de um oponente que vem totalmente blindado. Importa para o Deus da Bíblia o lado do fraco, do que não encontra argumento favorável, do que não possui arma alguma, seja essa pessoa de que religião for, quer essa pessoa creia nele ou não. Mais do que em qualquer outro lugar, somos forçados a entender que na boca do fraco prevalece unicamente a pergunta do salmista: De onde me virá o socorro?

Não sei por quantas vezes na vida uma pessoa necessite estar diante do tribunal derradeiro, da última instância, ver que todos os recursos humanos se mostraram falhos e esperar secar a única fonte da qual podia esperar algum alento para reconhecer que a sua humanidade é falha e que essa falha machuca outras pessoas de forma definitiva. Penso que a maioria de vocês já experimentou os dois lados dessa questão. Penso também que uma reflexão profunda poderá nos fazer enxergar que ambos os lados estão perdendo, e perdendo muito.

No fim disso tudo, a única coisa que eu sei é que eu faço as pessoas à minha volta sofrerem quando eu também estou determinado a sofrer. A hostilidade contra as outras pessoas é sempre hostilidade contra nós mesmos. E, em muito dos casos, talvez seja essa, salvo alguma intervenção drástica de Deus, a única esperança do fraco: esperar que o opositor sinta na pele o exato grau de sofrimento que ele está causando a si mesmo e aos outros e refreie os seus instintos e se desarme. Caso contrário não tem como o inferno não se estabelecer.

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