Execução dos condenados, anônimo século XVIII |
Ouve, SENHOR, a minha
súplica, e cheguem a ti os meus clamores. Não me ocultes o rosto no dia da minha
angústia; inclina-me os ouvidos; no dia em que eu clamar, dá-te pressa em
acudir-me. Leia Salmos 102
Texto do rev. Jonas Rezende
Texto do rev. Jonas Rezende
Pastores anglicanos serão expulsos porque não creem em Deus
- dizia a notícia. E acrescentava: a verdade é que eles acreditam que Deus
existe no coração do homem. Depois da leitura, fiquei pensando se é importante
dizer que Deus está no Céu. Qual o erro de conceber que ele está em nosso
coração? Até que dizer Céu fica mais vago, não é mesmo? E triste a esclerose do
ser humano, mas é trágico quando são nossas instituições que caducam. A
intolerância denuncia a nossa falta de amor, e até mesmo a ausência de um certo
jogo de cintura. No caso dos padres anglicanos, não entendo por que acender as
fogueiras da Inquisição em nossos dias. Afinal, há tão pouco tempo, os chamados
teólogos da morte de Deus prestaram um serviço positivo à Teologia e ao
pensamento religioso. Levantaram um saudável debate que deveria ter sido feito
desde a filosofia provocativa de Nietzsche.
Mas, veja bem. O salmo, aberto diante de nós, fala de
arrependimento e esperança, mas também nos mostra o poeta do Eterno atormentado
por inimigos que desejam destruí-lo, com fúria ainda maior do que a da
hierarquia anglicana. As imagens que ele utiliza são belas, mas passam um
sofrimento atroz. Veja só o seu clamor: os meus ossos se apegam à pele, por
causa do meu doloroso gemer. Sou como o pelicano no deserto, como a coruja das
ruínas. Não durmo e sou como o passarinho solitário nos telhados. Os meus
inimigos me insultam a toda hora; furiosos contra mim praguejam com o meu
próprio nome. Por pão tenho comido cinza e misturado com lágrimas a minha
bebida.
Os violentos, agressores e intolerantes não percebem o que
para o salmista tem a força da certeza: tu, porém, Senhor, permaneces para
sempre e a memória do teu nome de geração em geração.
Em meados do ano 1994, os jornais noticiaram que a escritora
Talisma Nasrin fora obrigada a fugir de Bangladesh porque acusou os muçulmanos
fundamentalistas de terem mentalidade machista. E apregoou a necessidade de
revisar ou compreender melhor o Corão.
A escritora só disse a verdade e ficou com a vida em risco.
Tal como Salman Rushdie, que está escondido, há anos, em algum lugar da
Inglaterra, fugindo da sentença de morte do aiatolá Khomeiny. Apenas porque em
seu livro Os versículos satânicos teria desrespeitado o profeta Maomé.
É possível então imaginar a angústia do salmista, vítima de
intolerância semelhante. Some-se a essa perseguição o arrependimento do poeta e
teremos a imagem de um homem atormentado e aflito. Mas, uma vigorosa esperança
anima esse homem e ele registra no fim de seu salmo: os filhos dos teus servos
habitarão seguros, e diante de ti se estabelecerá a sua descendência.
Quero dizer, à luz do salmo, da Bíblia e da experiência, que
precisamos sempre ousar, sem medo do ridículo nem de possíveis quedas. Quase
sempre a queda é motivo de reflexão, insight, e o início do nosso verdadeiro
crescimento. Ninguém deve temer incompreensões e críticas. Jesus Cristo
continua a dizer: ai de você quando todos disserem bem a seu respeito.
E Oscar Wilde nos adverte:
a cada bela impressão que causamos,
conquistamos um inimigo.
Para ser popular, é indispensável ser medíocre.
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